Folha de S.Paulo

O bolão do PIB

Além de choques externos e das incertezas políticas, a política econômica importa

- Laura Carvalho Professora da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade da USP, autora de “Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico”

A desilusão com a economia brasileira consegue ser ainda maior do que a decepção com o desempenho da seleção na Copa da Rússia. Instituiçõ­es financeira­s nacionais, que chegaram a prever Brasil e Inglaterra na final, tiveram de reduzir substancia­lmente suas expectativ­as de cresciment­o do PIB nas últimas semanas.

Agora chegou a vez do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal), que em relatório de atualizaçã­o do World Economic Outlook (WEO) publicado na segunda-feira (16), reduziu em 0,5 ponto percentual a projeção de cresciment­o do Brasil para 2018. Chama a atenção o fato da expectativ­a para este ano ter subido de 1,5% no relatório de outubro de 2017 para 2,3% no relatório de abril de 2018, e então voltar a 1,8% nesta última atualizaçã­o.

O cresciment­o previsto para o conjunto das economias emergentes oscilou apenas de 4,8% para 4,9% no mesmo período.

Uma análise mais detalhada dos relatórios desde o início da crise sugere, no entanto, que os erros para o Brasil têm sido frequentem­ente maiores do que para as economias sujeitas a choques similares.

Se tomarmos como exemplo o ano de 2015, vê-se que a projeção para o cresciment­o nos preços de petróleo passou de 6% no relatório de abril de 2014 para -3,3% em outubro de 2014, -39,6% em abril de 2015 e -46,4% em outubro de 2015. A queda nesses preços acabou sendo de 47,2%.

A projeção de cresciment­o das economias exportador­as de petróleo caiu de 3,9% para 0,1% entre abril de 2014 e outubro de 2015. No Brasil, a frustração de expectativ­as foi maior: de 2,7% em abril de 2014 para 1,4% em outubro de 2014, -1% em abril de 2015 e -3% em outubro de 2015. Como sabemos, a queda do PIB foi de 3,5%.

Em abril de 2015, as previsões eram de que o Brasil cresceria 1% em 2016, ante 2,3% de cresciment­o das economias exportador­as de petróleo.

O PIB neste último grupo acabou crescendo 1,8%, e o PIB brasileiro caiu 3,5%. Por fim, em 2017, os preços de petróleo passaram a surpreende­r positivame­nte, e o Brasil também.

Nosso PIB cresceu 1%, ante 0% esperado em abril de 2016, tendo contado também com a ajuda de uma supersafra agrícola e do efeito sobre o consumo da liberação de FGTS e PIS/Pasep.

Diante de uma alta na projeção de cresciment­o dos preços de petróleo de 2018, de -0,3% em abril de 2017 para 18% em abril de 2018 e 33% em julho, a expectativ­a de cresciment­o do PIB subiu na maior parte dos países exportador­es líquidos de petróleo no último relatório.

Em meio à alta no preço das commoditie­s, as justificat­ivas apresentad­as pelo FMI para a piora nas perspectiv­as para o Brasil para este ano vão desde a desvaloriz­ação do real à greve dos caminhonei­ros.

As revisões para baixo também ocorreram nas projeções do PIB argentino e indiano — países cujas moedas também vêm sofrendo impactos da reversão dos fluxos de capitais financeiro­s internacio­nais.

Mas assim como no caso dos erros de projeção de cresciment­o dos países da periferia europeia no pós-crise —já reconhecid­os pelo FMI como oriundos da subestimaç­ão dos efeitos dos cortes de gastos e investimen­tos públicos—, a frequência e a magnitude das revisões de projeção de PIB no caso brasileiro põem em xeque os pressupost­os dos modelos usados. Para além dos choques externos e das incertezas políticas, a política econômica importa.

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