Dirigida por Paes Leme, premiada ‘Agosto’ ganha ironia e velocidade
Montagem brasileira realça inteligência e nuances dos conflitos familiares na peça de Tracy Letts
Agosto ***** Sesc Consolação - Teatro Anchieta, r. Doutor Vila Nova, 245. Qui. a sáb.: 21h, dom.: 18h. Até 5/8.
Ingr.: R$ 12 a R$ 40. 16 anos
Na versão adaptada e dirigida por André Paes Leme, a partir do texto premiado de Tracy Letts, “Agosto” é muito diferente daquele espetáculo da companhia Steppenwolf, de Chicago, que dominou a Broadway uma década atrás.
Era então um drama familiar angustiante, opressivo, na linhagem realista americana. Mas Letts, já então conhecido como autor de “Killer Joe”, uma das peças que reergueram com violência a dramaturgia anglo-americana nos anos 1990, não se restringe mesmo à tradição.
E nas mãos de Paes Leme os seus diálogos agressivos, com provocações praticamente a cada palavra, ganharam uma velocidade que não havia na encenação original de Anna Shapiro. É um dos motivos, além da edição, para ter perdido cerca de uma hora.
Persistem as investidas dramáticas das figuras familiares levadas à cena, mas o sarcasmo de suas falas agora resulta, muitas vezes, em comédia sombria.
O público paulistano, também tão diferente do novaiorquino, tem espasmos de risos —e depois de lágrimas—, muitas vezes num crescendo que acaba tomando a sala, a partir de um primeiro espectador ou espectadora que não consegue mais se conter diante daquilo.
No Brasil, a peça perdeu parte do título e mesmo o que sobrou não faz maior sentido: Originalmente era “August: Osage County”, referência a um condado ao lado de uma reserva indígena em Oklahoma, entre o Sul e o Meio-Oeste dos Estados Unidos, de planícies áridas, secas, sobretudo no calor de agosto, no verão do hemisfério Norte.
Mas perder algumas tintas locais, no título e na dramaticidade, abriu “Agosto” para uma proximidade maior com os espectadores e também os atores brasileiros, até uma universalidade.
A própria opção por um palco praticamente vazio, sem a também premiada casa vazada em três andares que ocupava quase todo o palco e apequenava os atores do Steppenwolf, é um ganho, no fim das contas —e não só pela solução mágica de Paes Leme, com “sobreposição dos ambientes e simultaneidade das situações”.
Com um humor inesperado diante do que se conhecia, mas sem cair em farsa ou paródia, crescem a inteligência e as nuanças nos conflitos da mãe, Violet, de sua filha mais velha, Barbara, e da irmã da matriarca, Mattie Fae.
A atuação de maior impacto é de Guida Vianna como Violet. É em torno dela, de suas palavras e ações impiedosas e realistas, que gira o ciclone familiar de “Agosto”.
Seu vaivém de monstruosidades e revelações galvaniza não só os demais atores, mas os espectadores.
A antagonista é Leticia Isnard, que faz uma Barbara existencialmente frustrada em sua racionalidade e contenção, uma mulher e mãe com resultados não muito melhores que Violet.
Chamada a enfrentar a mãe avassaladora criada por Guida Vianna, a atriz reage à altura, entremeando crueldade e compaixão.
A terceira nesta peça de personagens femininas devastadoras, Mattie Fae, é interpretada por Eliane Costa com perversidade ainda maior, em relação ao próprio filho, mas também com sagacidade.
Em poucos minutos de apresentação, registre-se, o elenco de 11 atores alcança um patamar alto de atuação coletiva, como um “ensemble” de fato, impressionando pelo conjunto tanto quanto pelas individualidades. Por vezes, interpretam os diálogos desse texto inacabado.
“O espetáculo tem essa linguagem hipernaturalista. Muito gente acha que é improviso, mas é tudo marcado, tanto no gestual quanto na palavra”, explica o diretor e dramaturgo Marcos Damaceno.
As conversas desembocam em discussões sobre relacionamentos, família e o próprio fazer teatral. Tudo difuso entre o que é real ou ficção.
“Ao mesmo tempo em que se fala do teatro, trata-se da vida, da nossa falta de ordem, de quando a gente se encontrar em situações de caos”, diz o encenador. “A peça toda é como a vida: não tem começo, não tem fim, não tem ordem.”
O apreço pelo texto sempre foi marca do grupo, nome forte da cena curitibana e que já apresentou em São Paulo peças elogiadas, como “Psicose 4h8” (2004) e “Árvores Abatidas ou para Luis Melo” (2008).
“Homem ao Vento” nasceu há quatro anos, escrito por Damaceno a pedido da PUC paranaense, que solicitou ao dramaturgo um texto sobre o homem contemporâneo.
O elenco, que reúne jovens e atores experientes —como Rosana Stavis, cofundadora da companhia e a atriz Bruna Spínola, da novela “Orgulho e Paixão”—, uniu-se a partir de oficinas ministradas pela companhia em Curitiba.
Esse movimento de ensino, afirma Damaceno, era uma tentativa de suprir o que ele identifica como uma deficiência do teatro brasileiro: a falta de atenção e trato com a palavra dentro do espetáculo.
Perder algumas tintas locais [do MeioOeste americano], no título e na dramaticidade, abriu “Agosto” para uma proximidade maior com os espectadores e também os atores brasileiros, até uma universalidade
Homem ao Vento
SP Escola de Teatro, pça. Franklin Roosevelt, 210. Sex., sáb. e seg., às 21h, dom., às 19h. Até 6/8. Ingr.: contribuição voluntária. 14 anos