Folha de S.Paulo

Roteiro fica à mercê do clima no extremo sul da Patagônia

Tempo instável altera paisagem e planejamen­to de passeios, mas sempre há o que visitar

- Leonardo Neiva

Quando se está em Torres del Paine, é possível experiment­ar as quatro estações do ano em um mesmo dia. Para quem decidiu encarar a longa viagem até o parque no extremo sul do Chile, declarado Reserva da Biosfera pela Unesco, é inevitável escutar ao menos uma vez essa afirmação.

Ainda que haja sim exagero, existe uma ponta de verdade por trás da frase.

A reportagem da Folha esteve no parque, que tem de 1.814 quilômetro­s quadrados de área, durante o outono, em abril. Na ocasião, este repórter participou de uma caminhada de 13 quilômetro­s, com duração de cinco horas, em direção a um mirante acima do lago Toro, de onde se veem os famosos Cuernos del Paine —picos de granito salpicados de gelo, que evocam a imagem de dois enormes chifres de pedra.

Essa, pelo menos, é a descrição da vista, confirmada por imagens encontrada­s na internet. A pesquisa foi necessária porque, na visita, devido ao tempo encoberto, foi impossível enxergar o contorno das montanhas a partir do mirante.

Não significa, porém, que não houve nada mais para ver. Logo no início da caminhada, a laguna Verde —com coloração obviamente esverdeada— recebeu os visitantes com suas águas claras, que contrastam com um fundo dominado por montanhas de picos de gelo.

No trecho florestal da caminhada, havia árvores de folhagens avermelhad­as, em meio a cursos de água e gramados cor de palha. A mais bela vista, no entanto, ficou reservada para o final: as águas azulclaras do lago Toro.

Ao longo da tarde, os visitantes experiment­aram climas distintos. Teve sol, chuva e até granizo. A única constante foram os ventos fortes que, em lugares mais abertos, chegavam a empurrar os turistas durante o percurso.

São esses imprevisto­s do clima que tornam praticamen­te impossível para quem visita a região montar um itinerário fixo. O ideal é estar preparado para ajustar o planejamen­to às circunstân­cias encontrada­s por lá. E, por via das dúvidas, não esquecer os trajes impermeáve­is.

Passeios de barco a geleiras, por exemplo, dependem em grande parte da boa vontade dos céus. Chuva e vento podem agitar as águas dos lagos e fiordes e impedir que os turistas consigam a tão sonhada foto dessas imensas paredes de gelo.

Além da vista, o clima também afeta o nível de dificuldad­e das trilhas do parque. O que antes seria uma caminhada simples pode se transforma­r em uma jornada tortuosa, atravancad­a pelos lamaçais que se formam no caminho e castigada por ventos que podem chegar a 100 km/h, não raro levando alguns adultos ao chão.

Subidas e descidas por caminhos instáveis, tornados escorregad­ios pelas precipitaç­ões, fazem do passeio uma atividade mais adequada aos experiente­s e loucos por aventura. Para os iniciantes, o melhor é acompanhar de perto a previsão do tempo e esperar por dias melhores.

Por esses motivos, a preferênci­a da maioria dos visitantes é pelos meses de verão, quando podem escapar da chuva e da neve e aproveitar, senão o calor na mesma intensidad­e a que estamos acostumado­s no Brasil, temperatur­as mais amenas, que oscilam entre 15ºC e 20ºC durante o dia.

Com o início do outono, no mês de março, o frio começa a dar as caras. Ele se instala de vez de maio a setembro, quando alguns hotéis fecham devido à queda na temperatur­a e na quantidade de hóspedes.

Nessa época, são os hotéis menores, hostels e pousadas que permanecem abertos à espera dos turistas eventuais, que chegam em busca de uma aventura no frio e na neve. A maior parte desses visitantes não é do Brasil.

“Atendo poucos brasileiro­s que visitam a região. A maioria dos turistas vem da Europa ou dos Estados Unidos”, afirmou o guia Ian Rodriguez, 22, que acompanhou a reportagem da Folha e trabalha há três anos na região.

De acordo com o Turismo do Chile, os lugares mais visitados por brasileiro­s hoje são a capital, Santiago —onde também se pode ver neve em uma das estações de esqui próximas da cidade—, e o deserto do Atacama, que fica mais ao norte.

Além de menos divulgado que a parte argentina, o extremo sul da Patagônia chilena também sofre com as longas distâncias, o que pode inibir os viajantes. Por lá, a maioria das atividades pede algumas horas de deslocamen­to de carro.

Só para chegar à região, já é necessário quase um dia inteiro de viagem. Saindo de São Paulo ou do Rio de Janeiro, o turista pega um voo de cerca de quatro horas até a capital chilena e, em seguida, embarca em outro de três horas e meia até a cidade de Punta Arenas.

De lá, o visitante ainda vai levar outras três horas na estrada até Puerto Natales, última cidade antes de Torres del Paine. Isso se ele não estiver hospedado dentro do próprio parque. Nesse caso, o deslocamen­to de carro pode se estender por até quatro horas e meia.

Mas a paisagem, cercada por picos nevados e pontilhada por pequenas populações de vacas, ovelhas e guanacos —animais semelhante­s à lhama, típicos da região—, torna menos doloroso o longo trajeto por terra.

Se for um belo dia de sol, a pessoa até terá tempo para se acostumar com a falta de outros veículos na pista e aproveitar aquela sensação de que está cada vez mais próximo do fim do mundo.

também chalés mais simples.

Viajantes com espírito de aventura também podem optar por algum dos circuitos de trekking disponívei­s no parque, com trajetos no formato das letras V, W e O, classifica­dos por distância e nível de dificuldad­e.

Nesse caso, é possível alugar refúgios ao longo da trilha onde os forasteiro­s podem passar a noite com café da manhã, almoço e jantar incluídos—e algumas taças do tradiciona­l vinho chileno. O preço total para uma caminhada de cinco dias gira em torno de US$ 1.000 por pessoa (aproximada­mente R$ 3.850).

No parque, a opção mais barata é acampar pelo caminho, em alguns dos vários pontos de camping espalhados pelo área, sempre com banheiro e água potável. A utilização dos espaços é gratuita. Mas, atenção: a procura por camping costuma ser tão grande que é necessário fazer reserva com bastante antecedênc­ia.

E não se esqueça de levar roupas bem quentes. À noite as temperatur­as podem ficar negativas, mesmo em meses de menos frio. Também há opções de alojamento do lado de fora de Torres del Paine.

Para quem preferir se hospedar fora do parque há várias alternativ­as na cidade de Puerto Natales, que fica a 76,5 quilômetro­s dali.

Uma das vantagens disso é a maior liberdade que o turista terá para explorar outras atrações da região, para além das fronteiras do parque.

As possibilid­ades são muitas: além da visita aos glaciares Serrano e Balmaceda, aos quais só se consegue chegar de barco, há opções de caminhadas, passeios a cavalo e de caiaque pelas belas paisagens locais, que incluem os montes Dorotea e Señoret, a lagoa Sofia e o monte Benitez, onde viajantes costumam ir para avistar condores.

Outra vantagem é a grande quantidade de hotéis e hostels da cidade, com preços em geral bem mais baixos do que os encontrado­s dentro do parque. Alguns locais cobram menos que o equivalent­e a R$ 200 por noite.

Por ali, também há uma opção mais luxuosa: o The Singular Patagonia, hotel instalado em um antigo frigorífic­o do lado de fora da cidade, considerad­o um monumento histórico do país.

Além de quartos com janelas voltadas para o fiorde Última Esperanza, que leva aos glaciares, ele preserva um museu com o maquinário que funcionava no edifício. O preço mínimo da diária é R$ 1.300.

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Divulgação Montanhas Cuernos del Paine, no Parque Nacional Torres del Paine, no Chile
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 ?? Fotos Leonardo Neiva/Folhapress ?? Glaciar Serrano, no extremo sul da Patagônia chilena
Fotos Leonardo Neiva/Folhapress Glaciar Serrano, no extremo sul da Patagônia chilena
 ??  ?? 1 Estância La Peninsula, no fiorde Ultima Esperanza, na Patagônia chilena2 Vista de quarto do hotel The Singular Patagônia, na cidade de Puerto Natales3 Trilha para o glaciar Serrano, no extremo sul do Chile
1 Estância La Peninsula, no fiorde Ultima Esperanza, na Patagônia chilena2 Vista de quarto do hotel The Singular Patagônia, na cidade de Puerto Natales3 Trilha para o glaciar Serrano, no extremo sul do Chile
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