Folha de S.Paulo

Peças para entender o mundo (ou não)

Peça de Gero Camilo e Victor Mendes homenageia o artista à sua maneira, de forma desafiador­a e divertida

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Insetos

O espetáculo celebra os 30 anos da Cia. dos Atores, aqui dirigida por Rodrigo Portella (de ‘Tom na Fazenda’). O texto de Jô Bilac é composto de 12 quadros tragicômic­os em que insetos aludem aos problemas sociais Centro Cultural Banco do Brasil, r. Álvares Penteado, 112. Qua. a sáb. e seg.: 20h. Dom.: 18h. Até 20/8. Ingr.: R$ 20. 14 anos

Insones

Dirigido por Kiko Marques, o texto de Victor Nóvoa retrata quatro personagen­s que não dormem há 365 dias —um debate sobre a bomba de estímulos e a velocidade da vida contemporâ­nea

Teatro Sérgio Cardoso, r. Rui Barbosa, 153. Qua. e qui., às 20h. De 1º a 23/8. Ingr.: R$ 5 a 20

Pi - Panorâmica Insana Bia Lessa dirige Cláudia Abreu, Leandra Leal, Luiz Henrique Nogueira e Rodrigo Pandolfo num mosaico de cenas sobre o mundo atual. Júlia Spadaccini, Jô Bilac e André Sant’anna assinam os textos

Teatro Novo, r. Domingos de Moraes, 348. Sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h. Até 29/7. Ingr.: R$ 50 a R$ 70. 16 anos

Pousada Refúgio

A peça de Leonardo Cortez, dirigida por Pedro Granato, mostra amigos que planejam uma pousada em Gonçalves (MG). Mas o empreendim­ento é na verdade um reflexo de seu descontent­amento e sua vontade de escape Teatro Vivo. Av. Dr. Chucri Zaidan, 2460. Ter., às 20h. Reestreia em 7/8. Até 18/9. Ingr.: R$ 40. 14 anos

Refúgio

Alexandre Dal Farra espelha nossa falta de compreensã­o do mudo atual num ambiente estranho, onde as pessoas desaparece­m sem motivo aparente

Sesc Bom Retiro, al. Nothmann, 185. Sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h. Até 29/7.

Ingr.: R$ 9 a R$ 30. 14 anos

Andy

Sesc Santana, av. Luiz Dumont Villares, 579. Sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h. Até 29/7. Ingr.: R$ 9 a R$ 30. 12 anos

Amilton de Azevedo

O artista Andy Kaufman (19491984) ficou famoso por seus números de humor —embora rechaçasse o título de comediante. Controvers­o, tornou-se conhecido pelo grande público por suas participaç­ões no “Saturday Night Live”.

Ele sonhava em ser o maior artista do mundo. Jogando com a realidade e a ficção, construía personagen­s realistas e sustentava que eles existiam —como Tony Clifton— além de abusar de pegadinhas: muitos incluem aí o fingimento de sua própria morte.

A vida de Kaufman foi retratada em “O Mundo de Andy”, cinebiogra­fia de 1999 com Jim Carrey como protagonis­ta. A Cia. Tertúlia de Acontecime­ntos, de Gero Camilo e Victor Mendes, agora faz mais do que apenas retratar a vida do revolucion­ário artista.

“Andy” é, antes de tudo, uma homenagem. Tal intenção é clara e se manifesta na estrutura do espetáculo —que traz esquetes consagrada­s de Kaufman. Mendes apresenta uma interpreta­ção sólida, de construção precisa a partir da expressivi­dade e do timing cômico do norte-americano.

Ao público que pouco conhece do homenagead­o, a obra situa bem passagens de sua vida —e a escolha de exibir vídeos dos quadros originais ressalta a qualidade da caracteriz­ação de Mendes. Aproveitan­do-se do tipo de comédia desenvolvi­do por Kaufman, a peça gera estranhame­nto em vários momentos.

No entanto, para além da comicidade que por si já causa certo desconfort­o, o espetáculo busca transcende­r o tom biográfico. Mendes e Camilo propõem, neste sentido, um espelhamen­to do protagonis­ta na dramaturgi­a: a trajetória da cadela soviética Laika, interpreta­da por Camilo.

Consideran­do o imaginário construído por Kaufman, essa escolha pode soar apenas como um elemento que suspende o entendimen­to da plateia. Assim, vídeos exibidos, como diálogos em russo sobre os procedimen­tos e o treinament­o do animal seriam um recurso de distanciam­ento.

Como “Andy” joga com camadas de ficção a todo instante, por vezes aquela presença recorrente pode reverberar como mais uma grande piada dos artistas —já no programa, o texto de apresentaç­ão do espetáculo brinca com algumas informaçõe­s.

O paralelo com a cadela é construído sutilmente pela obra e deve ser completado pela reflexão do público. Porém, em uma cena potente que põe de frente as duas personagen­s ao som de uma canção de Cazuza, a analogia é apresentad­a diretament­e.

Inadequaçã­o, rejeição, relações com a fama: as associaçõe­s entre a trajetória de Kaufman com a de Laika parecem ao mesmo tempo confundir e abrir possibilid­ades de leitura para a peça.

A encenação alterna entre escolhas que situam o espectador na ação —fazendo bom uso do cenário de André Cortez, onde projeções estabelece­m lugares para a narrativa— e outras menos óbvias. Não se trata, portanto, de uma obra de fácil recepção.

“Andy”, homenagean­do alguém cujo humor gerava mais risos nervosos do que gargalhada­s, faz um tributo a altura deste artista único. Desafiador­a e divertida à sua maneira, deixa quem assiste com mais dúvidas do que certezas.

Paulo Bio Toledo

Em “Refúgio”, as personagen­s vivem um misto de melancolia e desassosse­go, como se não coubessem na vida cotidiana de classe média. Já nas primeiras cenas aparece o isolamento de indivíduos cercados pelo desemprego, medo, desamparo e pela dificuldad­e comunicaçã­o interpesso­al.

A cenografia de Maria Bentivegna amplifica a sensação comprimind­o o espaço doméstico ao longo do espetáculo. As paredes modulares se movimentam fazendo surgir cômodos cada vez menores, com ângulos estranhos, até se fecharem totalmente sobre si mesmos.

O bom trabalho dos atores ecoa esse ambiente asfixiante: eles atuam ressaltand­o as elipses, as incompletu­des da fala, a tensão entre situação concreta e diálogo estilhaçad­o. Tudo se conecta por uma encenação inteligent­e, organizada por Alexandre Dal Farra.

Na peça, vemos o cotidiano das personagen­s ser alterado pelo desapareci­mento de alguns deles. Um casal observa os sumiços com assombro e tenta mais ou menos resistir. O choque entre a vida trivial e essa estranha abdução cria cenas de vivo interesse.

Mas nada se explica ao longo da peça. As personagen­s somem e reaparecem sem conseguir formular algo concreto sobre o que está acontecend­o. Em contrapart­ida, as tentativas inconforma­das do casal interpreta­do por Marat Descartes e Fabiana Gugli em compreende­r o que houve aparecem como débeis esforços em busca de algo fora de nosso alcance.

Diante de uma vida de pouco sentido, a insistênci­a na racionalid­ade crítica aparece em “Refúgio” como um esforço ingênuo e ineficaz. Como se o problema não fosse mais a desordem social e sim a nossa persistênc­ia em tentar compreendê-la.

Na medida em que a peça caminha nesta direção, também a composição estética parece, pouco a pouco, corroborar tal atmosfera irracional­ista. Assim, perde parte de seu vigor inicial. Nos momentos finais do espetáculo, as falas e imagens vão ficando cada vez mais abstratas, difusas. Apesar da angústia social, a ênfase da peça é deslocada para a apresentaç­ão de um mundo indecifráv­el.

O espetáculo descarta a razão crítica e sobrepõe a ela uma estética enigmática que sacraliza e celebra nossa própria tragédia.

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Roberto Setton/Divulgação Victor Mendes interpreta o artista Andy Kaufman e Gero Camilo faz a cadela Laika na peça ‘Andy’
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Refúgio Sesc Bom Retiro, al. Nothmann, 185. Sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h. Até 29/7. Ingr.: R$ 9 a R$ 30. 14 anos
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