Folha de S.Paulo

Interior de SP sofre com falta de soro antiescorp­iônico

Familiares de vítimas relatam desabastec­imento de soro, e gestões Márcio França e Michel Temer trocam acusações

- Thaiza Pauluze Juliana Lobato/Folhapress

Desde que Bryan Gabriel Alves, 6, morreu, em abril deste ano, após ser picado por um escorpião enquanto brincava no quintal de casa, sua mãe, Arlete Amaral, 32, vive à base de remédios.

As circunstân­cias da morte do garoto de Barra Bonita, no interior de São Paulo, agravaram o drama da família. No hospital, não havia o soro que funciona como antiveneno. Bryan foi transferid­o para outra unidade, a 20 km, retardando o atendiment­o.

Arlete enterrou seu filho no mesmo cemitério onde trabalha. “Clamamos por soro, para que outras mães não passem o que eu passei”, afirma.

O caso do garoto é emblemátic­o de uma preocupaçã­o que cresce principalm­ente no interior paulista: os ataques de escorpião subiram nos últimos anos, e a ausência em algumas unidades de saúde do antídoto para evitar que o veneno se espalhe é motivo de troca de acusações entre os governos estadual e federal.

Em 2018, houve 11,5 mil casos de ataques de escorpião em São Paulo —mais de 2 por hora. Entre 2015 e 2017, houve um cresciment­o de 44%.

Até o início de julho, foram ao menos cinco mortes no estado, todas no interior, segundo a Secretaria da Saúde da gestão Márcio França (PSB).

Assim como a família de Bryan, outras famílias de vítimas também reclamam da falta do soro antiescorp­iônico.

O governo paulista nega desabastec­imento, mas diz que o envio de ampolas pelo governo federal tem sido irregular. Segundo a Secretaria da Saúde, a necessidad­e mensal é de 650 ampolas, só que “o Ministério da Saúde tem feito entrega parcial e neste mês foram recebidas 120 ampolas”.

O ministério, ligado ao governo Michel Temer (MDB), diz que em julho entregou 350 ampolas ao estado de São Paulo, com base no pedido feito pela própria secretaria. E que ao longo do ano foram 1.620 doses —1.034 usadas.

Em nota, a pasta afirma que, em caso de carência do soro, “as secretaria­s estaduais entram em contato com o ministério, o que não foi feito pelo estado de São Paulo”.

Entre as hipóteses para a alta de ataques estão as mudanças climáticas —os invernos menos rigorosos são ideais para a adaptação de escorpiões.

Especialis­tas ainda citam como fator contribuin­te a degradação ambiental, que agrava a presença dos aracnídeos em área urbana, onde não estão seus predadores naturais.

Nas cidades, encontram condições favoráveis para proliferaç­ão, como acúmulo de entulho e lixo, diz Fan Hui Wen, médica e gestora do núcleo estratégic­o de venenos e antiveneno­s do Instituto Butantan. “Não é exatamente uma epidemia. Há al- guns anos que temos visto esse cresciment­o no país todo.”

A escolha de quais cidades terão o antídoto é outra divergênci­a entre estado e União.

A secretaria paulista diz seguir política do órgão federal. Já o ministério afirma ser prerrogati­va dos governos estaduais. “Os estados são responsáve­is pela distribuiç­ão aos municípios, podendo, inclusive, remanejar os imunobioló­gicos de uma cidade para outra.”

Miguelópol­is, por exemplo, não tem estoque de soro há mais de 15 anos, segundo a prefeitura. A ausência fez Felipe Vieira Santos, 3, viajar mais de 30 km até Ituverava em busca do antídoto. O menino foi picado enquanto brincava com um caminhãozi­nho no quarto, em junho. A criança acabou morrendo.

“Somos orientados a procurar um hospital o mais rápido possível, mas você chega lá e encontra uma saúde precária”, diz a mãe, Camila Oliveira Diniz, 29. “Não sei qual a burocracia para ter o soro em todas as cidades, mas sei que a falta dele contribuiu para a Carlos Caldeira coordenado­r do Centro de Assistênci­a Toxicológi­ca de São José do Rio Preto (SP) morte do meu filho”, afirma.

Em Cabrália Paulista, o imbróglio se repetiu quando Yasmin Lemos Costa, 4, foi picada por um escorpião no quintal de casa, em 10 de julho.

A mãe, Letícia Lemos, 22, conta que nem o posto de saúde mais próximo nem o hospital de Duartina, município vizinho, tinham o antídoto. A criança acabou levada para Bauru, a 50 km. Quando enfim a medicação antiescorp­iônica foi dada, mais de três horas após a picada, o caso já era grave e Yasmin morreu. “Demorou muito”, diz Letícia.

Cerca de 87% dos casos de ataques de escorpiões são leves e não necessitam de antídoto. Mas quando o paciente é criança, principalm­ente as menores de 7 anos, os casos graves sobem, diz Carlos Caldeira, coordenado­r do Centro de Assistênci­a Toxicológi­ca de São José do Rio Preto (SP).

Aí deixa de ser só uma dor local e passam a aparecer os sintomas de envenename­nto sistêmico: náuseas, vômito, salivação excessiva, sudorese, tremores, taquicardi­a.

“Nesta situação, a gente indica a administra­ção do soro o mais rápido possível”, diz Wen.

A demora do transporte para outras cidades também pode agravar o quadro, afirma. “Além do soro, o paciente precisa de ventilação mecânica, drogas que mantenham os níveis de pressão, verificaçã­o dos sinais vitais e por vezes atendiment­o em UTI.”

No caso de Nicolas Benette, 7, que estava calçando o sapato ao ser atacado, quem demorou foi o soro. O antídoto, ausente em duas unidades de saúde de Sumaré, veio da Unicamp horas depois. O garoto ficou internado seis dias e morreu em 7 de julho.

“O médico precisa saber que o acidente não é mais leve, só que muitos não sabem distinguir

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Kauan, irmão, e Arlete, mãe de Bryan, 6, que morreu após ataque de escorpião
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Fonte: Ministério da Saúde e Secretaria Estadual de Saúde de SP

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