Folha de S.Paulo

Auxílio é para quem precisa?

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Fernanda Mena

são paulo Só num país desigual como o Brasil um juiz recebe R$ 4.378 mensais em auxílio-moradia enquanto os brasileiro­s que, de fato, não têm onde morar recebem, com sorte, R$ 400 de auxílio-aluguel para arranjar um teto.

O déficit habitacion­al brasileiro atual é de 6,3 milhões de domicílios.

Há um mês, seis ações sobre a legalidade deste benefício estão estacionad­as no gabinete do ministro Luiz Fux, no STF.

Foi ele quem, numa canetada em 2014, estendeu a concessão da verba, antes restrita, a toda a categoria, composta hoje por 18 mil juízes.

Cogita-se encerrar a polêmica incorporan­do o benefício aos salários dos magistrado­s, que já estão entre os maiores da República e os colocam no grupo do 1% mais rico do país.

Apelidados de “pendurical­hos” pela própria categoria, os auxílios, no plural, ainda incluem um auxílio-alimentaçã­o de quase um salário mínimo e, no caso dos juízes federais, um auxílio-pré-escolar de R$ 712.

No mesmo Brasil, 13% das crianças de até 5 anos sofrem de desnutriçã­o crônica por falta de alimentaçã­o adequada. E 440 mil daquelas com 4 e 5 anos estão fora da pré-escola, metade delas por falta de vagas.

O generoso auxílio-moradia aos juízes —que existe em versões para membros do Ministério Público e do Legislativ­o— implica custo extra de R$ 1,6 bilhão anual para os deficitári­os cofres públicos.

O montante seria suficiente para a construção de mais de 12 mil unidades habitacion­ais ao ano ou para o custeio de 333 mil auxílios-aluguel mensais de R$ 400 —valor que, digase, não paga um cômodo sem janelas no quadriláte­ro do centro de São Paulo conhecido como cracolândi­a.

O auxílio dos juízes não vai solucionar a complexa questão da moradia no Brasil, consagrada como direito de todo cidadão no artigo 6º da Constituiç­ão. No atual contexto social brasileiro, no entanto, sua existência parece insustentá­vel.

O recurso, vale lembrar, sai do bolso dos brasileiro­s, aos quais caberia a questão: quem precisa de auxílio?

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