Folha de S.Paulo

Sim Os empregados devem pagar a conta?

Recursos poderiam se converter em aumento salarial

- Eduardo Fleury Economista (USP) e advogado, mestre em tributação; sócio do escritório FCR Law

Neste artigo não temos a intenção de analisar a qualidade dos benefícios gerados pelas entidades que compõem o Sistema S, assim como não iremos discutir a legalidade ou constituci­onalidade das contribuiç­ões que as sustentam. Nossa abordagem se dará sob o ponto de vista de política fiscal e tributária.

O denominado Sistema S é composto por diversas entidades (Sesi, Sesc, Senai etc.) cuja principal fonte de receita é uma contribuiç­ão incidente sobre a folha de salários. Pela legislação, o empregador é obrigado a fazer esse recolhimen­to aplicando sobre sua folha de salários uma alíquota que alcança até 3,1%.

O valor total arrecadado pelo Sistema S alcançou R$ 19,16 bi em 2016. Para se ter ideia do que isso representa, basta apontar que, também em 2016, o Estado da Bahia arrecadou com o ICMS (sua principal fonte de receita) menos que isso: R$ 17,9 bi.

As entidades beneficiad­as mencionam em suas apresentaç­ões institucio­nais que são mantidas por empresário­s do setor ou que a entidade “oferece soluções para as empresas industriai­s brasileira­s”.

Para checar a racionalid­ade da cobrança, temos que entender quem efetivamen­te sofre o ônus econômico da contribuiç­ão sobre a folha de salários. A teoria econômica aplicada à tributação (ex.vi: Salané, Bernard, The Economics of Taxation) tem concluído que o trabalhado­r tende a arcar com boa parte das contribuiç­ões sobre folha, independen­temente do fato de o valor ser formalment­e recolhido pelo empregado ou pelo empregador.

As evidências vão no mesmo sentido: estudo realizado por Azémar e Desbordes (2009) com 14 países da OCDE concluiu que cada 1% de aumento na contribuiç­ão sobre folha resulta em uma queda permanente de 0,55% no salário. No Chile, durante os anos 80, houve uma redução substancia­l da contribuiç­ão sobre a folha de salários, de 30% para 5%. Segundo Gruber (1997), que estudou a experiênci­a chilena, a quase totalidade da redução das contribuiç­ões foi transforma­da em aumento de salários, tanto para trabalhado­res de baixa como de alta renda.

Dessa forma, podemos nos questionar: por que os trabalhado­res devem financiar as entidades do Sistema S? Os benefícios gerados são difusos, espalhando-se por toda a sociedade. Um dos grandes problemas de nosso sistema previdenci­ário é que o empregado não tem a percepção de que a contribuiç­ão recolhida irá correspond­er a um benefício a ser recebido futurament­e por ele, o que incentiva a fuga do sistema (ex.: “pejotizaçã­o”). Esse tipo de contribuiç­ão reforça a desconexão entre o que se paga e o que efetivamen­te se recebe como benefício.

Outros motivos também devem ser considerad­os. A contribuiç­ão sobre a folha incide à mesma alíquota, qualquer que seja o salário. Além disso, no Brasil, a cobrança total sobre a folha (sem incluir o FGTS de 8%) pode alcançar cerca de 31,6%, enquanto a média de 30 países da OCDE atinge apenas 18,2%.

Sendo assim, a cobrança sobre folha no Brasil ajuda a manter a concentraç­ão de renda, principalm­ente a parcela que não é utilizada para bancar a aposentado­ria.

A argumentaç­ão das entidades do Sistema S de que o valor arrecadado é mais bem aproveitad­o por elas do que seria se utilizado pelo governo pode até ser verdade, embora seja necessária a disponibil­ização de mais dados para se fazer uma avaliação conclusiva. No entanto, não há muita dúvida de que esses recursos teriam melhor uso se estivessem nas mãos dos empregados.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil