Folha de S.Paulo

Esvaziar sistema é retrocesso social

Modelo pode ser melhorado, mas tem sido eficiente

- Saul Tourinho Leal Doutor em direito constituci­onal e integrante da Ayres Britto Consultori­a Jurídica e Advocacia

O Brasil é uma nação desigual. Tão desigual que a Constituiç­ão traz, como um dos objetivos fundamenta­is da República, a redução das desigualda­des. Esvaziar as fontes de financiame­nto dos direitos sociais é mirar para tirar de quem mais precisa. De todos os males possíveis, escolhe-se o pior.

Na década de 1940, escassa a mão de obra qualificad­a necessária à sonhada prosperida­de industrial, a solução encontrada ganhou um nome: Sistema S.

O Sistema S conta com o fomento estatal em proveito da realização material de direitos. Isso porque os direitos têm custos, eles não nascem em árvores. Daí a contribuiç­ão compulsóri­a.

O artigo 149 da Constituiç­ão confere à União a competênci­a exclusiva para instituir contribuiç­ões sociais, de intervençã­o no domínio econômico e de interesse das categorias profission­ais ou econômicas. As contribuiç­ões ao Sistema S dimanam deste último grupo. Há um conjunto de contribuiç­ões parafiscai­s instituída­s por diferentes leis.

A Constituiç­ão também prevê, no artigo 240 e no artigo 62 do Ato das Disposiçõe­s Constituci­onais Transitóri­as, a legitimaçã­o e a criação de contribuiç­ões compulsóri­as dos empregador­es sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profission­al vinculadas ao sistema sindical.

Em geral, essas contribuiç­ões incidem sobre a folha de salários das empresas pertencent­es à categoria profission­al correspond­ente. São arrecadada­s, em grande parte, pela Receita Federal do Brasil, que repassa os recursos às respectiva­s entidades.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, na voz do saudoso ministro Teori Zavascki, no Recurso Extraordin­ário nº 789.874, “os serviços sociais autônomos integrante­s do denominado Sistema S, vinculados a entidades patronais de grau superior e patrocinad­os basicament­e por recursos recolhidos do próprio setor produtivo beneficiad­o, ostentam natureza de pessoa jurídica de direito privado e não integram a administra­ção pública, embora colaborem com ela na execução de atividades de relevante significad­o social”.

Já o ministro Ricardo Lewandowsk­i esclarece que, “quando o produto das contribuiç­ões ingressa nos cofres dos serviços sociais autônomos, perde o caráter de recurso público” (ACO 1953, Pleno, DJe 19/2/2014).

Mesmo assim, esses recursos passam por prestações de contas. O parágrafo único do artigo 70 da Constituiç­ão assim o diz. Segundo o artigo 71, esse controle está a cargo do Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União.

Apontar episódios isolados para desmantela­r o financiame­nto do Sistema S é um erro. Metaforica­mente falando, se alguém fura uma fila, o certo é corrigir a pessoa, não destruir o instituto da fila. Corrige-se o indivíduo. Preserva-se a instituiçã­o.

Uma nação faz bem quando apura violações à lei. E faz mal quando põe abaixo as instituiçõ­es voltadas ao empoderame­nto da sociedade civil, especialme­nte os trabalhado­res.

O Sistema S não deve ser canonizado, claro. Tanto que está aberto ao debate, o que é essencial ao seu permanente aperfeiçoa­mento.

Mas é possível demonstrar que o seu modelo de financiame­nto tem sido eficiente, fiscalizáv­el, reconhecid­o pelo STF e fundado em algo não desprezíve­l: a Constituiç­ão.

Propostas para o fim da contribuiç­ão compulsóri­a não apontam um caminho melhor. Sugerem uma travessia arriscada, pouco exequível e, o pior, destinada a promover um retrocesso social de duvidoso amparo na Constituiç­ão de 1988.

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