Folha de S.Paulo

Em obra, Francisco de Oliveira expõe ceticismo sobre Brasil e lulismo

- Naief Haddad

São incontávei­s os casos de mudança de rota ideológica entre os mais influentes pensadores brasileiro­s. Em geral, partem do abraço ao marxismo na juventude à adesão ao liberalism­o econômico nos anos de maturidade.

Professor titular aposentado do departamen­to de sociologia da USP e ex-pesquisado­r do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to), Francisco de Oliveira se aproxima dos 85 anos com uma trajetória intelectua­l sempre à esquerda, como se verifica no recém-lançado “Brasil: uma Biografia Não Autorizada”, que reúne ensaios e entrevista­s publicados entre 1997 e 2016.

Não que as ideias de Oliveira estejam imunes a algum grau de reavaliaçã­o, mas neste caso a inflexão é de outra ordem. O sociólogo já teve expectativ­a —sem grande entusiasmo, é verdade— na capacidade do Estado de reduzir o que ele chama de “hegemonia burguesa”. Acreditou, por exemplo, que a política econômica do governo Lula poderia se contrapor às diretrizes da gestão Fernando Henrique — como todos sabemos, não foi o que ocorreu.

Os últimos anos são de desencanta­mento. A produção intelectua­l de Oliveira tem sido marcada por um acentuado ceticismo, evidente já no título do mais longo ensaio do novo livro, “O Adeus do Futuro ao País do Futuro”.

Para o sociólogo, “não há mais futuro porque ele já está aí ”. Grosso modo, seu argumen toé o seguinte: no Brasil globalizad­o da virada do século 20 para o 21, não existem mais formas de avanço do capital “que, ao se realizar, liquidasse­m todas as anteriores formas ‘feudais’ ou ‘pré-capitalist­as’”. Coexistem neste momento no país “todas as eras geológicas” do capitalism­o.

Em outras palavras, o Brasil já não reúne condições para um arranjo capitalist­a moderno, menos desigual. Eis a nossa tragédia, anuncia o autor. Essas são ideias desenvolvi­das no livro “Crítica à Razão Dualista/O Ornitorrin­co”, de 2003, e agora retomadas na nova obra.

O ano de 2003, aliás, marca o aprofundam­ento nas reflexões de Oliveira dessa “negativida­de determinad­a”, como escrevem Fabio Mascaro Querido e Ruy Braga na apresentaç­ão do livro. Não por acaso, esseé oa no inicial da prime iradas duas gestões de Lula.

“Uma Biografia Não Autorizada” faz uma síntese do processo de formação do país, a partir do período colonial. São poucas páginas, uma forma de preâmbulo para o que mais interessa ao autor, o Brasil recente, especialme­nte os governos FHC e Lula.

Não há novidades nas ressalvas duríssimas de Oliveira à gestão tucana, semelhante­s às feitas pelo PT na época. Mais proveitos aspara o debate público são as críticas também contundent­es ao governo petista porque partem de um intelectua­l que ajudou afundar o partido em 1980 e, decepciona­do, desfiliou-se 23 anos depois.

Em ensaio de 2007 (primeiro ano do segundo mandato petista), publicado originalme­nte na revista piauí, o sociólogo aponta completa falta de rumo do governo. “Lula não tem objetivos porque não tem inimigos de classe”, escreve Oliveira, à luz de uma visão marxista. Com iniciativa­s como o Bolsa Família (“um desastre”), o líder petista “despolitiz­a a questão da pobreza”.

Não é preciso concordar com as teses de Olivei rapara percebera riqueza e a atualidade da discussão levantada por ele.

Em entrevista de 2006, reproduzid­a no final do livro, o sociólogo trata o lulismo “como uma perversão do petismo. É esse carisma de Lula combinado com assistenci­alismo”. A única reação possível, diz ele, “é que a militância faça a diferença para salvar o partido”.

Passados 12 anos da entrevista, a militância parece mais empenhada em fortalecer o lulismo do que em salvar o PT.

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