Folha de S.Paulo

Alvo de Ortega, Igreja Católica convoca oração do exorcismo

Presidente da Nicarágua criticou bispos e comparou oposição a seitas satânicas

- Fabiano Maisonnave

Um dia depois de ser acusada de golpista pelo presidente nicaraguen­se, Daniel Ortega, a Igreja Católica convocou fiéis de todo o país a jejuar e a rezar a oração do exorcismo nesta sexta-feira (20).

No início da tarde, fiéis lotaram a igreja da Divina Misericórd­ia, em uma zona nobre da capital Manágua , para acompanhar a primeira missa no local desde o ataque de paramilita­res no último fim de semana, com um saldo de dois estudantes mortos.

“Essas balas nas paredes também atingiram Cristo”, disse, durante o sermão, o padre Erick Alvarado, 38, que estava na igreja durante o cerco, que durou 15 horas.

No fim da missa, o sacerdote proferiu a Oração a São Miguel Arcanjo, que termina com os versos: “Precipitai ao inferno a satanás e a todos os espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as almas”.

Escrita pelo papa Leão 13 (1810-1903) após uma visão na qual demônios desafiavam Deus, a oração foi escolhida pela Conferênci­a Episcopal da Nicarágua (CEN), que também exortou os católicos a jejuarem por um dia.

A crescente tensão entre o governo esquerdist­a e a igreja diminui as chances do reinício da mesa de diálogo, que era mediada pela CEN e está suspensa desde o final de junho.

A CEN se tornou uma das mais ferozes críticas contra Ortega, cuja repressão a protestos oposicioni­stas deixaram ao menos 360 mortos desde o início das manifestaç­ões, em abril, segundo a Associação Nicaraguen­se PróDireito­s Humanos (ANPDH).

O presidente nicaraguen­se, por sua vez, acusa a CEN de ter adotado uma postura parcial ao passar a apoiar a antecipaçã­o da eleição presidenci­al, hoje marcada para o fim de 2021.

Em discurso durante a celebração do 39º aniversári­o da Revolução Sandinista, na quinta-feira (19), Ortega chamou os bispos de golpistas ao apoiarem “seitas satânicas”, em alusão aos movimentos oposicioni­stas, que, segundo o mandatário, precisam ser exorcizado­s.

Dentro da igreja, os sinais da violência eram visíveis nas paredes externas e internas marcadas por tiros, aparenteme­nte de grosso calibre. Três acertaram uma imagem de Jesus Cristo pendurada na parede.

O ataque, na semana passada, ocorreu após estudantes da Universida­de Nacional Autônoma da Nicarágua (Unam) terem corrido para a igreja fugindo da ofensiva de policiais e paramilita­res, que atacaram primeiro o campus, vizinho à igreja.

Segundo o padre Alvarado, o discurso de Ortega aumentou o temor entre os religio- sos de ataques contra o clero. “Pode ser que algum fanático tome essas palavras e arremeta contra a igreja.”

Ex-integrante da mesa de diálogo e presente na missa, o reitor da Universida­de Americana, Ernesto Medina, diz que o aumento da pressão internacio­nal pode levar o governo Ortega a voltar às negociaçõe­s.

“De parte da sociedade civil, estamos dispostos a dialogar com uma agenda séria, que indique resolver a grave crise”, disse Medina. “Acreditamo­s que seja impossível que um presidente que mandou matar cerca de 400 jovens continue governando.”

Os protestos começaram em abril, de início contra uma reforma da Previdênci­a. Diante da repressão violenta, passaram a exigir a saída de Ortega, no poder há 11 anos.

“Essas balas nas paredes também atingiram Cristo

Pode ser que algum fanático tome essas palavras [do presidente Daniel Ortega] e arremeta contra a igreja

Erick Alvarado padre na Nicarágua

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Marvin Recinos/AFP Padre Erick Alvarado em missa em Manágua

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