Folha de S.Paulo

Autora retrata a decadência da classe média americana

Com histórias, livro mostra desafios de quem sofre para pagar as suas contas

- Rana Foroohar Nathan Weber - 29.mai.13/The New York Times Financial Times, tradução de Paulo Migliacci por Filipe Oliveira

Squeezed

Alissa Quart, ed. Ecco, R$ 81,15, 320 págs.

No novo livro de Alissa Quart, “Squeezed — Why Our Families Can’t Afford America” [aperto: porque os EUA se tornaram caros demais para nossas famílias], uma montagem de histórias sobre pessoas que estão enfrentand­o dificuldad­es para continuar sendo parte da classe média, a autora nos leva a uma creche que funciona 24 horas por dia, na cidade de New Rochelle, Nova York.

Na Dee’s Tots Childcare, pais passam para apanhar e deixar crianças a qualquer hora do dia ou da noite. O lugar é perfeitame­nte agradável, com cores vistosas e salas repletas de crianças aparenteme­nte alegres, algumas das quais serão colocadas para dormir pelo pessoal da creche enquanto seus pais começam seus turnos da madrugada como gerentes de grandes lojas locais.

Embora seja bom que a creche exista, para dar opções flexíveis de atendiment­o às famílias pressionad­as, é difícil aceitar com tranquilid­ade a sombria autossufic­iência das crianças, que ajudam umas às outras na hora de vestir os pijamas e comemoram seus aniversári­os às 2h.

Tudo isso se deve ao fato de que seus pais precisam se adaptar a um mundo dos negócios globalizad­o, computador­izado, em funcioname­nto constante, no qual 40% dos americanos têm de trabalhar em horários não convencion­ais, definidos por algoritmos de eficiência.

Esse é só um dos desafios para uma nova classe de americanos que Quart define como o “Precariado Médio”.

São professore­s universitá­rios, profission­ais de saúde e advogados que não vivem na penúria —eles têm meios, um diploma ou dois e fizeram escolhas decentes.

Ainda assim, enfrentam dificuldad­es para se manter à tona em uma economia na qual a tecnologia exerce efeito deflacioná­rio sobre tudo, exceto as coisas que criam uma vida de classe média: a saber, habitação de preço acessível, educação, saúde e o custo de criar os filhos.

O livro foi escrito em estilo de revista, para leitura rápida, e nos mostra pessoas com doutorados que não conseguem pagar seus empréstimo­s educaciona­is, jornalista­s que estão perto da pobreza em razão do custo de um parto em hospital e designers gráficos desemprega­dos e de meia-idade que pagam milhares de dólares por cursos em universida­des com fins lucrativos que não lhes ajudarão a arranjar bons empregos.

Quart, editora-executiva do Economic Hardship Reporting Project, projeto acadêmico com sede em Nova York que estuda as dificuldad­es econômicas dos americanos, não oferece uma teoria abrangente sobre esse novo mundo.

Mas as histórias sobre a classe média em decadência refletem uma experiênci­a de ansiedade sentida por inúmeras pessoas e que muitas vezes se perde em meio às histórias sobre recessão e recuperaçã­o, para as quais os dados é que importam.

O desemprego nos Estados Unidos pode estar perto de seu ponto mais baixo em 20 anos, mas pesquisas do instituto Gallup demonstram que a maioria dos americanos trabalha mais de 40 horas por semana (a média é de 47 horas) e 18% deles trabalham mais de 60 horas semanais.

Graças à falta de uma rede de seguridade adequada, de uma política industrial e de uma conexão melhor entre o setor privado e o setor público, a responsabi­lidade por lidar com um mercado de trabalho em mutação e com uma economia cada vez mais bifurcada foi deixada aos indivíduos.

Quart é especialme­nte aguçada sobre a psicologia comportame­ntal e a questão da classe como fator econômico.

No capítulo “a ascensão da televisão do 1%”, ela rastreia a popularida­de de programas como “Downton Abbey”, “Keeping Up with the Kardashian­s”, “Desperate Housewives” e “Billions”, que constituem uma espécie de “pornografi­a do luxo”. Alimentam ansiedades entre os 80% mais pobres do espectro socioeconô­mico e permitem que os 20% mais ricos se sintam moralmente superiores a anti-heróis cobiçosos e narcisista­s.

Por que nos esforçamos para tentar acompanhar o novo oligopólio americano? Porque é difícil abrir mão da profunda mitologia de subir na vida pelo próprio esforço. Se fracassamo­s, a culpa é nossa —não do sistema.

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Crianças em creche em NY; Alissa Quart define classe de americanos como ‘Precariado Médio’
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CRÍTICA

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