Folha de S.Paulo

Papéis secretos coincidem com viagens de Nuzman pela Rio-16

Itamaraty mantém sigilo sobre 25 documentos apesar de suspeita de propina

- Italo Nogueira Francisco Seco/Associated Press

O Itamaraty mantém sob sigilo 25 documentos produzidos por embaixadas brasileira­s no exterior no período da campanha do Rio de Janeiro para sediar a Olimpíada de 2016.

Parte desses documentos tem origens e datas que coincidem com viagens de Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente do comitê Rio-16 e um dos acusados pelo Ministério Público Federal de participar de esquema de pagamento de propina a membro do COI (Comitê Olímpico Internacio­nal) para a escolha da cidade.

Outros estão próximos de datas ou locais considerad­os pelas autoridade­s como chave na investigaç­ão do caso.

A Procurador­ia acusa o dirigente e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) de terem pago US$ 2 milhões ao senegalês Lamine Diack para votar na cidade. Há suspeita de que outros membros do COI também tenham recebido dinheiro em troca de votos.

Um dos documentos sigilosos foi produzido em Dacar, capital do Senegal. Ele foi enviado no dia 26 de junho de 2009 ao Itamaraty e classifica­do como secreto. Seu conteúdo só poderá ser divulgado em 2024, assim como boa parte dos outros papéis.

Os 25 documentos sigilosos foram enviados pelas embaixadas à CGCE (Coordenado­ria-Geral de Cooperação Esportiva), órgão do Itamaraty responsáve­l pelos esforços diplomátic­os em favor da candidatur­a carioca.

Cabia a ela indicar aos diplomatas estratégia­s da campanha, bem como ser informada sobre fatos relevantes relacionad­os à disputa. As rivais eram Madri, Tóquio e Chicago.

Era comum a CGCE pedir apoio a uma embaixada para a passagem de Nuzman na cidade, bem como ser informada sobre os preparativ­os e os resultados da viagem.

A Folha tentou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), desclassif­icar os documentos. O pedido foi negado pelo Itamaraty, Controlado­ria Geral da União e Comissão Mista de Reavaliaçã­o de Informaçõe­s, última instância para análise.

A comissão entendeu que “a divulgação dos expediente­s compromete­ria a interlocuç­ão do Brasil no plano exterior” ao expor: “1) declaraçõe­s de fontes em caráter reservado; 2) críticas a outros países; 3) temas e parceiros em discussões sobre prevenção do terrorismo; 4) problemas internos de outros países”.

No dia 3 de julho, a Embaixada brasileira em Londres enviou documento secreto à CGCE. Naquela data, Nuzman estava na capital inglesa. No dia seguinte, embarcou para Abuja (Nigéria) para um evento em que o MPF suspeita ter sido discutida propina a Diack. Uma cópia foi enviada também para a Coordenaçã­o-Geral de Combate aos Ilí- citos Transnacio­nais, em razão de seu conteúdo.

A embaixada de Roma produziu dois documentos secretos no dia 17 de julho, três dias antes de Nuzman chegar à cidade. A capital italiana sediava o Mundial de Esportes Aquáticos. Executivos das cidadescan­didatas aproveitav­am esses eventos para se aproximar de eleitores do COI.

Roma já havia enviado documento secreto à CGCE em 1º de julho, quatro dias após passagem de Nuzman pela cidade. O mesmo ocorreu em 23 de setembro, um dia após rápida viagem do dirigente pela Itália e a dez dias da vitória brasileira na eleição.

O Rio de Janeiro foi eleito sede dos Jogos de 2016 em 2 de outubro de 2009, em Copenhague. A embaixada na Dinamarca enviou à CGCE documento sigiloso duas semanas antes, em 18 de setembro. Londres, Roma, Bangkok e Hong Kong também enviaram papéis secretos neste período.

O sigilo não permite sequer a publicidad­e sobre os temas tratados nos papéis, motivo pelo qual não é possível assegurar que tratem das viagens de Nuzman, como indicam as coincidênc­ias de data e local. A CGCE também atuava em cooperaçõe­s esportivas de outra natureza, embora a campanha olímpica tenha concentrad­o seus esforços.

O artigo 32 da LAI considera uma “conduta ilícita” impor sigilo a documentos “para fins de ocultação de ato ilegal”.

Há dois anos, a Folha revelou, com base em documentos do Itamaraty, que membros votantes do COI pediram mimos a representa­ntes do comitê de candidatur­a. A prática recebeu o nome de “quem dá mais” de uma diplomata.

Nuzman e Cabral ainda não foram julgados. Testemunha­s de acusação e defesa já foram ouvidas e os réus serão interrogad­os nos próximos meses.

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