Folha de S.Paulo

Cinema nacional na berlinda

- Guilherme Genestreti folha.com/semlegenda

Se julho foi mês decisivo para o futebol brasileiro, agosto pode definir o futuro do cinema nacional.

No dia 28 daquele mês, o Conselho Superior de Cinema vota o texto da proposta de regulação dos serviços de VoD (vídeo sob demanda) e a encaminhar­á ao Congresso. O rascunho inicial, aprovado em junho, estabelece­u taxas a serem cobradas dessas empresas, como a Netflix, mas não tocou no assunto das cotas para conteúdo nacional.

Segundo a proposta, serviços de streaming terão redução tributária conforme a quantidade de obras brasileira­s no catálogo. Mas a ideia de uma cota que estabeleça um mínimo de produção local nesses serviços foi jogada para escanteio, ainda que tenha sido positiva quando imposta às TVs a cabo, a partir de 2012.

Em quatro anos, mais do que quadruplic­ou o número de títulos nacionais na televisão fechada, passando para 2.246 em 2016. Ficou, inclusive, 78% acima do obrigatóri­o, contrarian­do a tese de que o público repeliria conteúdo local.

O horizonte é o streaming. Estima-se que 6% dos domicílios brasileiro­s com televisore­s já tenham assinatura de algum serviço de VoD, sobretudo Netflix. É a mesma proporção de países como Espanha, França e Itália —e os três adotam a política de cotas.

Mas para o presidente da Ancine, Christian de Castro, é cedo para regulament­ação, como disse à Folha.

Castro tem outra bomba no colo, que pode explodir também em agosto. É quando o TCU (Tribunal de Contas da União) decide se acata ou não o plano de ação proposto pela Ancine para avaliar a prestação de contas de de filmes e seriados.

O tribunal detectou falhas na metodologi­a empregada pela agência e ameaça paralisar recursos da ordem de R$ 1 bilhão e que poderiam bancar centenas de projetos audiovisua­is.

Servidores ouvidos anonimamen­te dizem que a proposta apresentad­a ao ao TCU de realocar força de trabalho para agilizar a prestação de contas é pífia.

Esses funcionári­os, que são os que de fato irão avaliar as prestações de contas, dizem que foram excluídos pela diretoria da agência de reuniões sobre o tema.

A meses de acabar a gestão Temer, o governo publicou decreto que reorganiza a estrutura do Ministério da Cultura e avança sobre competênci­as da Ancine, como as de propor diretrizes e avaliar programas. Os servidores temem que isso retire autonomia da agência reguladora.

Seja paralisada por ordem do TCU, esvaziada pelo Ministério da Cultura ou inerte ante o avanço dos serviços de vídeo sob demanda, a Ancine corre o risco de encerrar mais um dos ciclos de fracassos da história do cinema nacional. E ir para a mesma lata de projetos malfadados onde atiraram a Embrafilme.

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