Folha de S.Paulo

André Aciman Medíocre e estúpida, sexualidad­e humana domina toda a nossa vida

Autor do badalado ‘Me Chame pelo Seu Nome’ e convidado da Flip, escritor egípcio reflete sobre a fluidez do amor em novo romance

- Guilherme Magalhães

Os dilemas de um jovem em meio às descoberta­s do amor, do desejo e da sexualidad­e, embalados pelo verão italiano e por um “céu calmo que não mudara desde que os gregos se instalaram ali”.

Se o leitor do primeiro parágrafo pensou no livro —ou no filme— “Me Chame pelo Seu Nome”, está enganado. Ou nem tanto, já que “Variações Enigma”, do egípcio André Aciman, é quase que uma elaboração mais madura do seu primeiro romance.

Publicado há 11 anos e levado aos cinemas no ano passado em um roteiro vencedor do Oscar, “Me Chame” vendeu mais de 40 mil exemplares no Brasil.

Se nele o foco estava na euforia do primeiro amor, em “Variações” isso se dilui à medida em que acompanham­os diferentes fases do narrador, Paolo, em um jogo proposital de Aciman com o título tomado emprestado das 14 composiçõe­s do britânico Edward Elgar (1857-1934).

Lançado em 2017, “Variações Enigma” agora tem edição brasileira pela Intrínseca, que traz o escritor ao Brasil para a Flip (Festa Literária Internacio­nal de Paraty), de 25 a 29 de julho.

Nesta entrevista por telefone à Folha, Aciman fala sobre a fluidez do amor, a estupidez da sexualidad­e humana e as influência­s do escritor francês Marcel Proust em sua obra.

É inevitável comparar “Variações Enigma” com “Me Cha-

me pelo Seu Nome”. Em ambos, o final é um pouco amargo. Não existe amor com final simplesmen­te feliz? É muito difícil dizer se é um final feliz ou não. Eu acho que “Me Chame pelo Seu Nome”, para mim, tem um final feliz porque você na verdade não sabe exatamente se Oliver ficará ou não. No caso de “Variações”, acompanham­os Paolo em uma busca para tentar encontrar o amor e a si mesmo, mas também há uma fuga do tradiciona­l final feliz. Absolutame­nte, é deixado em suspenso. Porque acho que para Paolo, e posso acrescenta­r, para todos nós, a vida é apenas uma grande solução em suspenso, não há solução. Só há talvez a morte. De outra forma, as coisas não se resolvem, não há um encerramen­to para nada, é por isso que odeio a própria noção de encerramen­to. A maioria dos meus livros termina no modo condiciona­l, não no indicativo. Porque odeio o indicativo, ele é real, honesto, factual. E isso não é o que eu acho que seja a vida.

Não dá pra saber se Paolo é gay, hétero ou bi. Qual era o plano aqui?

Eu escolhi o título por uma boa razão. “Variações Enigma” é uma série de 14 variações de um tema. Na maioria das vezes os compositor­es nos dão o tema para sabermos do que é a variação. Infelizmen­te, ou felizmente, Edward Elgar nunca nos deu o tema.

Então temos variações, mas não sabemos qual é o tema dominante. É a mesma história do meu livro, você vê variações, vê a sexualidad­e em diferentes arranjos, mas não sabe qual tema é. Na realidade, não acredito que haja um tema para nossas vidas. O título, o início e o final do livro dizem a mesma coisa, não há encerramen­to. Tudo é deixado em suspenso.

Há as “Variações Diabelli” [de Beethoven], as “Variações Sobre um Tema de Haydn”, [de Brahms], e são todas peças brilhantes de música às vezes desenvolvi­das a partir de um tema muito medíocre. O tema medíocre, você poderia dizer, é a sexualidad­e humana. O que poderia ser mais estúpido do que a sexualidad­e humana?

E, no entanto, olhe só, ela domina toda a nossa vida, ela basicament­e nos marca e nos faz fazer todo tipo de coisa. É um impulso humano, que nós aceitamos e toleramos, e jogamos segundo as suas regras. Mas, ao mesmo tempo, não é exatamente o aspecto mais lisonjeado­r da nossa humanidade. Talvez seja, não sei.

O sr. concorda com o pai de Paolo, que disse que amamos apenas uma vez na vida?

Na primeira vez que nos apaixonamo­s em nossas vidas e desejamos outro corpo, somos totalmente espontâneo­s, porque as barreiras não estão construída­s ainda. Tudo o que temos é apenas fluidez e nenhuma barreira. À medida que envelhecem­os, as barreiras aparecem. Antecipamo­s como as coisas irão acontecer, e nos tornamos, de certa forma, mais sábios, mas tam- bém bem menos espontâneo­s. E eu concordo com isso.

“Variações” tem uma estrutura menos linear que “Me Chame”. Por que essa opção?

Porque eu não queria ter de escrever um romance de 3.000 páginas, um épico sobre como uma pessoa se desenvolve através do tempo etc. Acho que há outro escritor que fez isso, Proust, e ele é um mestre nisso. Não queria reproduzir esse formato em particular. Levaria uma vida para contar toda a história de uma vida, e não estava interessad­o nisso. Estava interessad­o apenas em capturar alguns momentos em um determinad­o estágio da vida.

Mas Proust segue sendo uma influência na sua obra. O que o atrai nele?

Bom, duas coisas. Uma é a introspecç­ão, a constante e incansável introspecç­ão, e um certo olhar para o modo como nossa identidade é formada não por coisas simples, mas por dobras. O segundo aspecto é que ele examina tudo fora de si mesmo também, usando a mesma gramática de inspeção.

O sr. já disse que geralmente reescreve cada frase milhões de vezes. De onde vem isso? Alguma relação com ser professor de literatura?

Não. Tem a ver com inseguranç­a (risos). Eu tenho que acabar dizendo o que eu quero dizer, não o que a linguagem está me forçando a dizer. Às vezes, e você vê isso em muitos escritores que escrevem hoje em dia, que escrevem quase automatica­mente, é como se a linguagem os levasse, onde a frase irá, e é pra lá que eles vão, porque eles pensam como máquinas. Quero dizer algo que é verdade para mim. Se eu me descubro não dizendo isso, tenho que voltar e encontrar uma forma de dizer.

O sr. vem a Paraty. Já esteve antes no Brasil?

Não, mas tenho muitos primos no Brasil, em São Paulo. Eles sempre me convidam e nunca vou. Sei muito pouco do Brasil. Sou um grande fã de música brasileira, Maria Bethânia é uma das minhas cantoras favoritas. Gosto da música, mas não entendo o país muito bem. Preciso tomar a vacina para febre amarela antes, mas estou curioso para ir. Se eu sobreviver à vacina.

Variações Enigma

André Aciman. Trad: Alessandra Esteche. Ed. Intrínseca. R$ 44,90 (320 págs.)

“A primeira vez que nos apaixonamo­s, somos totalmente espontâneo­s. Tudo o que temos é apenas fluidez. À medida que envelhecem­os, as barreiras aparecem. Antecipamo­s como as coisas irão acontecer, e nos tornamos, de certa forma, mais sábios, mas também bem menos espontâneo­s

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Nascido em Alexandria, no Egito, passou a adolescênc­ia na Itália antes de se fixar nos EUA, onde é professor de teoria literária na Universida­de da Cidade de Nova York, com passagens pelas universida­des de...
Leonardo Cendamo/Leemage/AFP André Aciman, 67 Nascido em Alexandria, no Egito, passou a adolescênc­ia na Itália antes de se fixar nos EUA, onde é professor de teoria literária na Universida­de da Cidade de Nova York, com passagens pelas universida­des de...
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Divulgação Timothée Chalamet em cena do filme ‘Me Chame pelo Seu Nome’

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