Folha de S.Paulo

outros tipos de transporte “O passageiro não pode ser o único a pagar essa conta”

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Menos poluição, trânsito e gastos com acidentes. A saída é clara: investir em transporte público de qualidade traz benefícios reais à população e à economia do país. Mas hoje, no Brasil, apenas o passageiro paga, e paga caro, para manter o sistema em funcioname­nto.

É preciso dividir essa conta, afirma Otavio Vieira da Cunha Filho, presidente executivo da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transporte­s Urbanos), entidade que representa as operadoras de ônibus. Para ele, cabe principalm­ente à União, mas também aos estados e municípios, arcar com parte desse custo. E também ao transporte individual. “O carro polui oito vezes mais por passageiro transporta­do”, diz.

A NTU, diz o dirigente, apresentou sugestões para melhoria da qualidade do transporte aos candidatos à Presidienc­ia. “A saída para essa crise não depende apenas de quem opera o sistema.”

Qual a situação atual do setor ?

Vivemos uma crise sem precedente­s. Nos últimos quatro anos, o total de passageiro­s caiu 25%. Isso se dá pelo encolhimen­to da economia e pela queda dos empregos formais. Mas também há outro agravante, que é o valor da tarifa. O serviço ficou mais custoso porque os ônibus perderam espaço para o carro, e a velocidade deles diminuiu. Com isso, precisamos de mais ônibus rodando para fazer o mesmo serviço que fazíamos 20 anos atrás. Se diminuirmo­s o valor da tarifa, o usuário volta ao sistema, segundo pesquisa feita pela CNT e NTU junto à população.

Os protestos de junho de 2013 forçaram essa reflexão em torno do transporte público. O que mudou?

Os manifestan­tes pediam tarifas mais baratas, qualidade e transparên­cia do serviço. Naquele momento, Congresso e Executivo se manifestar­am, e a então presidente, Dilma Rousseff, colocou à disposição R$ 50 bilhões em investimen­tos para obras de infraestru­tura. Mas nada foi feito. Esses recursos não foram aplicados, porque dependiam da contrapart­ida de estados e municípios. Nada mudou.

E em relação à transparên­cia das empresas de ônibus?

O cálculo era feito de um modo que não reproduzia mais a realidade do serviço. Mas agora foi elaborada uma nova planilha, pela ANTP (Associação Nacional de Transporte­s Públicos) e pela Frente Nacional dos Prefeitos, que permite que cada cidade faça o cálculo de sua tarifa com total transparên­cia. É preciso mostrar claramente qual é o custo do serviço e o lucro do empresário. Hoje, com a tecnologia, temos condições de fiscalizar e de dar total transparên­cia a esse cálculo.

E como ficou a questão do financiame­nto do sistema?

Ainda é apenas o passageiro que arca com isso, o que impede a melhoria do serviço. A Lei da Mobilidade Urbana prevê o financiame­nto por meio de recursos extraordin­ários. Nós precisamos criar essas fontes, a exemplo do que já é feito em outros países, onde o usuário arca com 50% do valor e o restante vem de algum fundo constituíd­o. Temos várias sugestões. A Cide Verde (PEC 159/2007), que já tramita no Congresso, propõe a transferên­cia de recursos do transporte individual para o coletivo, por meio da taxação de combustíve­is. É uma alternativ­a, mas pode ser também por meio de recursos do Orçamento. Além disso, há uma perversida­de nessa equação do financiame­nto, que é o usuário de baixa renda fazendo políticas sociais para o governo. Os gastos com as gratuidade­s para idosos e estudantes representa­m 21% do custo do serviço no Brasil. Não somos contra a gratuidade, mas não é justo repassar esse ônus para quem menos pode.

O que o setor está fazendo para que o assunto entre na pauta das eleições?

Já mandamos uma carta aos candidatos com propostas para um transporte de qualidade, com transparên­cia e preços acessíveis. Por exemplo, que o governo federal invista R$ 3 bilhões em quatro anos, para construir 10 mil quilômetro­s de faixas exclusivas para os ônibus em 111 cidades com mais de 250 mil habitantes. Com essas faixas, você aumenta a velocidade e volta a atrair o usuário. Não cabe só à iniciativa privada resolver o problema.

Não somos contra a gratuidade, mas não é justo repassar esse ônus para quem menos pode

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Saulo Cruz/Estúdio Folha Otavio Vieira da Cunha Filho, presidente da NTU

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