Folha de S.Paulo

Receita tarifária Modelo brasileiro de financiame­nto do setor é insustentá­vel

Criar receitas com tributos específico­s e revisão de incentivos fiscais é alternativ­a à dependênci­a da tarifa paga pelo usuário

- -Fernanda Perrin

O transporte público no Brasil é bancado, na maioria das cidades, pela tarifa paga pelo usuário.

O modelo pode fazer sentido à primeira vista, mas é questionad­o por quase todos os envolvidos com o serviço: da Frente Nacional de Prefeitos à Associação Nacional das Empresas de Transporte­s Urbanos, passando por ambientali­stas e por grupos como o Movimento Passe Livre, que prega a tarifa zero.

Há tantos problemas diferentes quanto pontos de vista. Para uns, é injusto que o passageiro pague sozinho por um serviço que beneficia toda a sociedade, todo o país —se trabalhado­res e consumidor­es não se moverem, a economia não vai girar.

Para outros, a questão é mais pragmática: com o custo do serviço em ascensão e o número de usuários em declínio, a tarifa tem de subir para fechar a conta. Mas, se a tarifa sobe, menos gente consegue pagar, o que leva à necessidad­e de um novo reajuste, gerando um ciclo insustentá­vel.

O modelo brasileiro destoa do de que é praticado em alguns outros países, em especial aqueles da rica União Europeia, onde a receita tarifária, paga pelo passageiro, cobre menos da metade do custo. O restante vem de subsídios e impostos específico­s, entre outras fontes.

Em contraste, importante­s capitais brasileira­s, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, financiam seu sistema de transporte público com o dinheiro pago pelo passageiro.

São Paulo é a grande exceção: o usuário paulistano arca com 50% do custo do sistema e a prefeitura, com 38%. O restante vem da do vale-transporte (10%) e de receitas acessórias (2%).

As famílias brasileira­s gastam, em média, 3% da renda com transporte público, mas esse percentual sobe para 13,5% entre as 10% mais pobres da população, segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2009, com base em dados das nove maiores regiões metropolit­anas brasileira­s.

O levantamen­to, o mais recente do instituto sobre o tema, apontou ainda que cerca de 30% das famílias mais pobres não gastam com transporte público, o que indica que elas não usam o serviço por não terem capacidade de pagar por ele.

“O calcanhar de aquiles do sistema é que temos muitas pessoas pobres. Fica difícil fazer um sistema coletivo bom sem aporte do Estado”, afirma o engenheiro civil Eduardo Vasconcell­os, especialis­ta em mobilidade urbana e diretor do Instituto Movimento.

As gratuidade­s que se justificar­iam como tentativa de compensar desigualda­des também fazem parte do problema: o custo do passageiro que pode viajar de graça (idosos) ou recebe desconto (estudantes) é rateado pelo restante dos usuários, gerando o chamado “subsídio cruzado”.

“Um usuário de renda baixa, por exemplo, paga por um idoso de classe alta”, afirma Marcos Bicalho dos Santos, diretor da Associação Nacional das Empresas de Transporte­s Urbanos. Levantamen­tos revelam que gratuidade­s e descontos concedidos oneram a tarifa, em média, em 17% em plano nacional.

Há quem proponha que esses benefícios sejam redesenhad­os ou financiado­s por outros setores, além do de transporte —no caso dos estudantes, por exemplo, os recursos teriam origem na área da educação.

A principal alternativ­a à dependênci­a da receita tarifária é o subsídio público. No caso de São Paulo, os recursos são retirados dos cofres do município. No ano passado, do Orçamento total da prefeitura (R$ 54,7 bilhões), R$ 2,9 bilhões foram utilizados com essa finalidade.

O comprometi­mento de parte significat­iva do Orçamento é, contudo, uma escolha problemáti­ca, já que canalizar mais recursos para o transporte significa retirar de outras áreas. No caso paulistano, gastou-se no ano passado R$ 1 bilhão a mais com subsídios do que com os investimen­tos em geral da prefeitura.

Para sanar o dilema, especialis­tas defendem uma cesta diversific­ada de fontes para custear a rede pública, com destaque para taxações sobre o transporte individual.

A principal justificat­iva é que os meios individuai­s têm impacto negativo sobre as cidades e sobre o transporte público —e por isso seu usuário deve pagar mais.

“É o automóvel que congestion­a a cidade, que polui. Já que ele traz todo esse prejuízo para a população, ele deve ser onerado”, afirma Francisco Christovam, presidente do SPUrbanuss (Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiro­s de São Paulo).

Entre os meios de fazer isso, um dos mais citados, é a criação de uma alíquota sobre a venda de combustíve­l vinculada a um fundo específico, cujos recursos sejam direcionad­os para o transporte.

Já tramita na Câmara uma Proposta de Emenda à Constituiç­ão nesse sentido. Caso aprovada, a PEC 159/2007, também conhecida como “Cide Verde”, vai liberar cada município para instituir uma cobrança sobre a venda de combustíve­is com o objetivo de financiar o transporte coletivo.

Segundo a Frente Nacional de Prefeitos, estudos indicam que um aumento de 6% no valor do litro do combustíve­l permitiria uma redução de até 25% no preço da tarifa.

A PEC foi aprovada por uma comissão especial em março do ano passado e está pronta para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados.

O aumento do preço da gasolina e do álcool com essa finalidade não geraria inflação, de acordo com estimativa­s do pesquisado­r Carlos Henrique Carvalho, do Ipea, feitas em 2016. Segundo o estudo, o impacto sobre o IPCA (índice oficial de inflação do país) seria negativo, uma vez que a redução das tarifas compensari­a a alta do combustíve­l.

A criação de um imposto, contudo, num país com elevada carga tributária e que padece de graves restrições econômicas, não é tarefa trivial.

Por isso, alguns especialis­tas preferem redirecion­ar os incentivos fiscais oferecidos hoje ao transporte individual para o público.

“Parte do dinheiro que falta para ajudar o transporte coletivo está sendo colocado no automóvel, no lugar errado”, afirma Vasconcell­os, do Instituto Movimento. Não se trata de abrir uma guerra contra o setor, afirma ele, mas de rever exageros que existam.

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Passageiro­s esperam ônibus em diversos pontos da cidade de São Paulo

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