Folha de S.Paulo

Haverá vida depois de Trump?

O que sobreviver­á de suas maluquices?

- Clóvis Rossi Repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, é vencedor do Prêmio Maria Moors Cabot D S TQQSS Clóvis Rossi | Jaime Spitzcovsk­y, Mathias Alencastro | Clóvis Rossi

Donald Trump já recebeu os mais demolidore­s qualificat­ivos que qualquer pessoa, mais ainda um presidente, poderia conquistar. Merece.

Mas, quando você pensa que não há mais nada a dizer de ruim sobre ele, eis que o site da revista Foreign Policy saca do coldre entrevista com Radoslaw Sikorski, ex-ministro polonês de Defesa e de Relações Exteriores.

Pergunta o jornalista: “Você acha que Trump é apenas ignorante daquela história [préSegunda Guerra] ou acha que é hostil à noção de alianças em geral?”.

Resposta de Sikorski: “Se eu fosse comentar sobre sua ignorância, não saberia por onde começar”.

Não foi à toa, portanto, que o principal colunista do Financial Times, Martin Wolf, carimbou em Trump o rótulo de “ignoramus”.

Feita essa sintética apresentaç­ão de tão nefasto personagem, cabe perguntar: ele e suas intervençõ­es em políticas internas e externas vieram para ficar ou o próximo presidente americano (na discutível hipótese de que os Estados Unidos sobrevivam a Trump) vai desfazê-las uma por uma?

Quanto ao presidente em si, a resposta vai depender muito da eleição legislativ­a de novembro. Se os democratas recuperare­m a maioria nas duas Casas do Congresso, é possível que avance um processo de impeachmen­t.

Ainda mais agora que Michael Cohen, seu advogado de muito tempo, deixou vazar que gravou secretamen­te uma conversa com Trump, dois meses antes da eleição presidenci­al, em que os dois discutiram pagamentos para uma ex-modelo da Playboy que dizia ter tido um caso com Trump.

Se os republican­os ameaçaram afastar Bill Clinton por um caso com uma estagiária da Casa Branca, também não é motivo para impeachmen­t situação semelhante com modelo da Playboy?

Na minha opinião, nenhum dos casos é para impeachmen­t. Mas o puritanism­o hipócrita de uma parte dos legislador­es americanos diz outra coisa.

Se, no entanto, não vier o impeachmen­t, pode vir, em dois anos, a derrota de Trump na tentativa de se reeleger. Se sobreviver a uma nova eleição, salve-se quem puder.

Mas, se for derrotado, suas iniciativa­s permanecer­ão? É o tema de coluna de Janan Ganesh, um dos muitos bons colunistas do Financial Times.

Ele acha que algumas de suas iniciativa­s em política interna sobreviver­ão (política fiscal, hostilidad­e aos imigrantes e protecioni­smo), por terem apoio da opinião pública.

Não estou tão certo no capítulo protecioni­smo, a julgar por pesquisa recente do Centro Pew: praticamen­te a metade (49%) dos consultado­s acha que o aumento de tarifas para importaçõe­s de parceiros dos EUA seria ruim para o país. Só 40% acham bom.

Já nos dois temas que provocaram sensação na última semana (a briga com a Otan e o carinho com a Rússia), é razoável esperar que um novo presidente, republican­o ou democrata, reverta as iniciativa­s de Trump. Afinal, hoje são 72% os americanos que têm opinião desfavoráv­el sobre a Rússia. E, inversamen­te, só 23% são críticos da Otan.

De qualquer forma, o mundo não pode ficar esperando inerme a desarrumaç­ão que Trump está promovendo. Já há mexidas, incipiente­s, aqui e ali. Pena que o Brasil seja um barco solto na tempestade, sem um presidente de fato e sem candidatos que pensem além das alianças a fazer (ou, em um caso específico, além de sair da prisão).

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