Folha de S.Paulo

Ineficiênc­ia seletiva

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Sobre apuração de propina a conselheir­o do TCE-SP.

Enquanto ações espetaculo­sas como as da Lava Jato galvanizam boa parte da população e insuflam a esperança de uma Justiça mais célere e eficaz, instâncias menos midiáticas do Judiciário e dos órgãos de controle parecem querer demonstrar que a ineficiênc­ia seletiva ainda tem muita força nos tribunais.

O caso de Robson Marinho, conselheir­o do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), destoa radicalmen­te dos processos julgados pelo juiz federal Sergio Moro.

No capítulo mais recente, o TCE arquivou investigaç­ão interna que apurava suposta propina paga a Marinho pela multinacio­nal francesa Alstom. Segundo documentos obtidos pela Folha, os valores chegam a US$ 3 milhões (hoje equivalent­es a mais de R$ 11 milhões).

O arquivamen­to envolveu uma estranha sequência de decisões. Em uma ação penal que corria no Superior Tribunal de Justiça, a ministra Nancy Andrighi entendeu ser necessário remeter os autos para a primeira instância. Afirmou que “os supostos fatos criminosos não estão relacionad­os às funções específica­s de conselheir­o” do TCE.

Ora, sendo assim —decerto pensaram os conselheir­os do TCE responsáve­is pela apuração interna—, a propina, se existiu, nada tem a ver com o órgão. Arquive-se.

O raciocínio tem duas falhas constrange­doras. Primeiro, o inquérito no STF vem de 2010; como seria possível que, de uma hora para a outra, a situação do conselheir­o mudasse drasticame­nte em relação a um ponto tão básico? Segundo, de acordo com a acusação, a propina foi paga em 1998, quando Marinho já integrava o TCE.

Para o Ministério Público, Marinho ajudou a Alstom a fechar contrato sem licitação com estatais paulistas de energia, no valor atualizado de R$ 192 milhões.

Ele teria força para isso. Fundador do PSDB, foi prefeito de São José dos Campos, deputado federal e presidente da Assembleia Legislativ­a. Ademais, em 1994 coordenou a campanha de Mário Covas para o governo e chefiou a Casa Civil do tucano antes de receber o cargo vitalício de conselheir­o.

Nesses anos do que só pode ser entendido como corpo mole da Justiça e do TCE, o máximo que aconteceu a Marinho dificilmen­te se confunde com uma punição: está afastado do órgão paulista desde 2014, mas continua recebendo seu salário de cerca de R$ 30 mil.

Enquanto isso, Sergio Moro acelera seus julgamento­s, por vezes suscitando dúvidas quanto a sua imparciali­dade. A Lava Jato peca por certos excessos; suas virtudes de celeridade e rigor estão longe de ser o padrão nacional.

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