Folha de S.Paulo

‘Corrida do ouro’ das doações tem maquininha e reconhecim­ento facial

Candidatos usam sistema de arrecadaçã­o habilitado pela Justiça Eleitoral, mas há risco de fraude

- Joelmir Tavares Karime Xavier/Folhapress

são paulo Noite de terça-feira num bar em Pinheiros (zona oeste). Uma maquininha de cartão de crédito passeia entre as mesas, e não é para pagar a conta da cerveja. O esquema é: dê o quanto puder e ajude a eleger um deputado federal.

Na primeira eleição em que o financiame­nto coletivo é regulament­ado pela Justiça Eleitoral, tecnologia­s passaram a ser oferecidas para políticos que querem levantar fundos e ficar em dia com as regras de legalidade e transparên­cia.

Pré-candidato do PPS à Câmara dos Deputados, o economista Humberto Laudares, 38, reuniu no bar um grupo de 25 possíveis apoiadores para um papo sobre renovação política e, no fim da fala, lançou a sugestão sobre contribuiç­ões.

“Aceita vale-refeição?”, perguntou um gaiato, vendo a maquininha. O aparelho é adaptado para recolher dinheiro conforme as normas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Basta digitar CPF, valor da doação e senha. O recibo já sai com os dados que o candidato tem de declarar à Justiça. “Tínhamos essa tecnologia antes da regulament­ação. Está dando certo porque é tudo muito seguro”, diz Daniel Callirgos, CEO da Apoia.org.

Outras empresas de coleta trabalham com um aplicati- vo que simula o visual da maquininha, mas precisa ser instalado em celular ou tablet.

A rodada de Laudares no bar terminou com cerca de R$ 1.500 arrecadado­s. No lançamento da pré-candidatur­a, em junho, ele conseguiu R$ 12 mil usando a máquina.

O TSE credenciou 51 empresas de financiame­nto coletivo. As plataforma­s serão responsáve­is por repassar a contabilid­ade da arrecadaçã­o. A Justiça fará a fiscalizaç­ão contra fraudes e lavagem de dinheiro.

A maior preocupaçã­o é que haja problemas como o uso do CPF de laranjas, para esconder contribuiç­ões ilegais.

Em nome da segurança, a Voto Legal, com 48 candidatur­as cadastrada­s até agora, adotou um sistema de reconhecim­ento facial para o eleitor que faz a doação via boleto, considerad­a mais vulnerável a fraudes do que a feita com cartão de crédito ou débito.

Quando a pessoa opta por emitir a guia, o sistema pede para ter acesso à câmera para identifica­r se é uma pessoa de verdade —o usuário tem que responder a ordens, como sorrir ou fechar os olhos, para confirmar que é real.

Outra funcionali­dade que o site lançou foi o blockchain. Com a tecnologia, a mesma usada por criptomoed­as, os dados digitais das doações podem ser blindados contra violação de terceiros. “É uma forma de fazer a demonstraç­ão de contas com completa autenticid­ade”, diz Thiago Rondon, da Voto Legal.

Entre as plataforma­s mais usadas pelos políticos até agora estão Um a Mais, ApoiaBR, Doação Legal, Democratiz­e, Fundii e Confia Brasil, além da Apoia.org e da Voto Legal.

“Criou-se uma grande corrida do ouro com esse novo mercado”, afirma Téo Benjamin, da consultori­a Bando, que está orientando campanhas como a da presidenci­ável Marina Silva (Rede).

“Mas é preciso ver com cautela o boom de plataforma­s. Pode haver empresas que não sejam sérias e acabem prejudican­do os candidatos”, diz. O Bando só orienta campanhas, sem executar a coleta.

Além de cobrarem um preço pelo serviço, as empresas de coleta lucram com taxas a cada doação, que variam de 6% a9% a cada transação.

“Tem empresa sem condição de coordenar a arrecadaçã­o e de fazer a prestação de contas com o nível de lisura exigido”, diz Antônio Andrade, da Um a Mais, que opera a arrecadaçã­o da candidatur­a do ex-presidente Lula (PT).

Para Andrade, a Justiça Eleitoral deveria adotar mais rigor na habilitaçã­o das plataforma­s. A homologaçã­o requeria apenas informaçõe­s básicas, como número do CNPJ.

O TSE admite não ter como monitorar a idoneidade e a capacidade financeira das empresas autorizada­s.

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Pré-candidato Humberto Laudares (ao centro) coleta doações via cartão

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