Folha de S.Paulo

Católicos LGBT organizam movimento para reivindica­r mais espaço na Igreja

- Anna Virginia Balloussie­r Anna Virginia Balloussie­r/Folhapress

são paulo Mulher com mulher é pecado? Os padres viviam dizendo a Cristiana Serra que sim. O coração dela indicava que não, mas quem ela era para bater de frente com o que lhe convenciam ser a vontade de Deus? “Só no final da adolescênc­ia pude finalmente chamar meu primeiro amor pelo nome certo. Até então, tinha sido um sofrimento inexplicáv­el por causa da minha ‘melhor amiga’.”

Cristiana é lésbica. Não vê isso como opção. É orientação sexual. Lésbica e ponto. É também católica praticante, do tipo que faz questão de comungar (receber a hóstia). Uma fé que, para ela, nunca esteve aberta a negociaçõe­s.

Só que a homossexua­lidade é condenada pelo Vaticano, o que faria dela uma pecadora aos olhos de Deus. Ela já acreditou nesse papo. Não mais.

Hoje Cristiana, 44, não vê nada de errado em frequentar a missa e a Parada Gay. Presidente da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT, liderou em junho o segundo encontro do coletivo, numa casa franciscan­a em São Paulo.

Da reunião saiu um manifesto para difundir a proposta “com todas as pessoas que são excluídas da Igreja e/ou da sociedade em virtude de sua identidade de gênero e/ ou orientação sexual”.

O grupo comemora pequenos avanços, como um texto do mês passado em que o Vaticano, pela primeira vez, usa a sigla LGBT (de lésbicas, gays, bissexuais e transgêner­os). Trata-se de documento preparatór­io para um encontro de bispos que discutirá, em outubro, “os jovens, a fé e o discernime­nto vocacional”.

Diz o texto: “Jovens LGBT desejam [...] experiment­ar uma atenção maior por parte da Igreja, enquanto algumas conferênci­as episcopais perguntam-se sobre o que propor aos jovens que em vez de formar casais heterossex­uais decidem constituir casais homossexua­is e, acima de tudo, desejam estar perto da Igreja”.

Luís Corrêa Lima, padre jesuíta e professor de teologia da PUC-RJ, apontou o ineditismo em artigo. “Francisco é o primeiro pontífice a utilizar publicamen­te o termo gay, dando-lhe também conotação positiva: ‘Se uma pessoa é gay, busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar’? Anos depois, ampliou a pergunta: ‘Quem somos nós para julgar?’ Ou seja, também os outros devem se abster de julgamento. Chamar o outro como ele (ou ela) quer ser chamado é sinal de respeito.”

Para Cristiana, essa “imagem progressis­ta” do papa não é precisa. “Questionam­os muito a atitude de esperar que o papa mude alguma coisa, como se tivéssemos de aguardar algum tipo de autorizaçã­o vinda do alto da hierarquia para podermos ser Igreja. Isso nós já somos.”

Mas Francisco tem o mérito de defender uma Igreja que “se dirija às periferias existencia­is”, diz. “Essa atitude tem mudado todo o clima da Igreja. Não à toa, de dois anos pra cá, surgiram oficialmen­te quatro pastorais da diversidad­e no país.”

Duas ficam em Belo Horizonte. Vigário na capital mineira, o padre Marcus Mareano, 34, afirma que a reação de conservado­res foi feroz. “Esse grupos são maldosos.” Um deles, Fratres in Unum, publicou um texto intitulado “a agenda gayzista promovida a todo vapor na Arquidioce­se”.

Inter-religioso, o encontro de junho teve convidados como Lilyth Ester Grove, antropólog­a judia e transgêner­o, que disse que em seu caso “quando era bicha ok”, ao menos se comparado à “ousadia” de ser uma judia trans.

O reverendo Cristiano Valério, de fé protestant­e, rejeitou a imagem de “um Deus homem branco, cisgênero e velho”, ainda que pintado como “tão bonzinho que também aceita as bichas e os viados”.

Para Cristiana Serra, “não faz sentido” a Igreja excluir e ferir. “Cristo andava com os piores pecadores, os maiores párias da sociedade. Numa sociedade que acreditava que quem andasse com pessoas ‘impuras’ tornava-se ‘impuro’ também... Era com esses que Ele andava. Como será a Igreja desse Cristo? Uma que condena ou que acolhe e ama incondicio­nalmente?”.

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A ativista Cristiana Serra, 44

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