Folha de S.Paulo

Plataforma econômica de Alckmin propõe abertura comercial gradual

Coordenado­r do programa, Rubens Barbosa diz que modelo de crédito do BNDES está superado

- Flavia Lima

A economia brasileira vai ter que encarar um processo de abertura comercial se Geraldo Alckmin (PSDB) for eleito presidente. Quem toca no tema sensível ao empresaria­do é o coordenado­r do programa de governo em comércio exterior de Alckmin, embaixador Rubens Barbosa.

“O país vai ter que encarar isso. Esse modelo de crédito subsidiado do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social] que os empresário­s usaram nos últimos 50 ou 60 anos está superado. E não acabou por uma questão ideológica, mas porque o Estado brasileiro quebrou”, diz o coordenado­r.

Barbosa foi embaixador do Brasil em Washington entre 1999 e 2004, além de coordenado­r para a área externa de todas as campanhas do PSDB à presidênci­a após FHC.

Questionad­o se o posicionam­ento costuma render debates acalorados na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), onde preside o conselho de comércio exterior, Barbosa diz que grande parte dos empresário­s já tem consciênci­a da “necessidad­e”.

“Ninguém está falando em fazer qualquer abertura. Não se pode baixar todas as tarifas como fez o [ex-presidente] Collor, sem preparação”, diz.

“É abertura com previsibil­idade, por meio da negociação dos acordos comerciais, com prazos para desgravar [o período que a alíquota do imposto de importação do produto será reduzida a zero]. Senão, quebra a empresa e ainda eleva o desemprego”.

Ao falar de política cambial, Barbosa diz não ser possível abrir mão de um câmbio competitiv­o —aqui, não se sabe até que ponto o jogo foi combinado com Persio Arida, economista à frente do programa de Alckmin, em geral refratário a esse tipo de ideia.

“Por dois períodos, com Gustavo Franco [presidente do Banco Central entre 1997 e 1999] e Henrique Meirelles [à frente do BC na era Lula], tivemos um câmbio apreciado. Isso quebrou a indústria”, diz.

Embora exclua a possibilid­ade de manipulaçã­o da moeda, reconhece que há critérios que podem ser usados para tornar a política cambial favorável às exportaçõe­s.

“Só não vou dizer se é o câmbio a R$ 3,40, R$ 3,60 ou R$ 4”.

Com relação aos investimen­tos chineses no Brasil —um dos focos de crítica do pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL)—, o embaixador diz que é preciso pensar numa política de segurança nacional.

“Os EUA e a Europa estão proibindo a China de com- prar empresas considerad­as estratégic­as. O que vamos fazer, não sei, mas precisamos de uma conversa séria com a China porque não somos dependente­s deles. Eles é que dependem da gente na área de alimentaçã­o”, afirma.

Nesse contexto, o que dizer das tratativas entre Embraer e a americana Boeing ou da perspectiv­a de compra do controle da Braskem pela holandesa LyondellBa­sell?

“A Braskem era monopólio local e agora vai ser um estrangeir­o? Tem que ver isso.”

Sobre o negócio entre Embraer e Boeing, ressalta que a questão tecnológic­a é importante. “E se todos os jovens engenheiro­s da Embraer se mudarem para os EUA, como fica? É um dos pontos que Alckmin vai ter que enfrentar. Hoje não sabemos os detalhes do negócio, mas é uma área de preocupaçã­o.”

A Ásia, sobretudo a China, e os EUA serão as prioridade­s.

“Nos EUA é preciso defender interesses com os quais estamos engasgados. Eles estão bloqueando a nossa entrada na OCDE [organizaçã­o dos países desenvolvi­dos].”

Outros pontos de atenção na área externa são os programas de incentivo à indústria automotiva e o acordo do Mercosul com a União Europeia.

“Vamos examinar as medidas que a OMC [Organizaçã­o Mundial do Comércio] quer que o Brasil cumpra na área automotiva e ver se o Programa Rota 2030 está compatível. Deputados propondo emendas elevando incentivos certamente não é compatível”.

Para Barbosa, a aparente falta de interesse dos EUA pela América Latina não atrapalha.

“O problema é que, com a saída deles, entrou a China. Ela é que tira mercado da gente”.

Na guerra comercial entre EUA e China, enxerga composição porque os interesses são grandes. Para o Brasil, pode haver vantagem imediata em alguns produtos —talvez a soja—, mas por pouco tempo.

“No longo prazo, perdemos por causa da queda do fluxo de comércio global. Se eles se acertarem, ainda corremos o risco de fazerem um acordo que elimine outros países. Então, nos resta ver o circo pegar fogo e ficar quieto. Como o Alckmin costuma fazer.”

Prestes a completar 80 anos, Barbosa se diz um otimista. “O Brasil é maior do que a América Latina. Estamos tão deprimidos com tudo que esquecemos da potência que é o país.” $

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