Folha de S.Paulo

VLT, no Chile, bate Hubble em foto de Netuno

- Salvador Nogueira folha.com/mensageiro­sideral

Fora o detalhe de que eles precisam dela para permanecer vivos, a atmosfera da Terra é um tremendo inconvenie­nte para os astrônomos. Não por acaso o telescópio mais venerado e disputado pelos pesquisado­res é o Hubble. O espelho coletor de luz que ele usa é relativame­nte modesto, com 2,4 m, mas estar fora da atmosfera faz toda a diferença.

Por isso mesmo espanta o feito recém-divulgado pelo ESO (Observatór­io Europeu do Sul) obtido com o VLT (Telescópio Muito Grande). Graças a um engenhoso novo método de óptica adaptativa, o equipament­o produziu imagens ainda mais nítidas que as do Hubble em luz visível.

Foram divulgadas apenas duas imagens de “primeira luz”, nome que os astrônomos dão às observaçõe­s iniciais feitas com qualquer novo equipament­o, ainda no período de testes. Numa vemos o planeta Netuno, o mais distante conhecido no Sistema Solar, e noutra, o centro do aglomerado globular NGC 6388. Mas uau.

Elas revelam com incrível clareza as brancas nuvens netunianas circundand­o o belo planeta azul-piscina. E as estrelas centrais de NGC 6388 deixam de ser borrões para se tornar pontos individuai­s de luz. É como se, de repente, a atmosfera tivesse sumido.

Não é magia; é ciência. Em essência, a óptica adaptativa é uma tecnologia capaz de eliminar os efeitos prejudicia­is da atmosfera em tempo real, durante a observação. E sem ninguém precisar prender a respiração.

O grande problema que o ar apresenta (fora o fato de que ele bloqueia certas frequência­s do espectro eletromagn­ético, essa uma questão insolúvel) é que seu movimento constante gera deformaçõe­s no caminho que a luz percorre do espaço até o telescópio.

Percebemos isso só de olhar para o céu. As estrelas parecem estar cintilando. Tudo culpa do ar. E, quanto mais a imagem é ampliada, pior fica. A óptica adaptativa do VLT resolve isso ao disparar quatro lasers para a atmosfera, que excitam átomos de sódio presentes nela e criam basicament­e “estrelas artificiai­s” no céu.

Ao monitorar esses “falsos astros”, um sistema de computador consegue determinar exatamente de que maneira a camada de ar acima do observatór­io está se comportand­o, e então enviar esses dados a um sistema mecânico que produz, em tempo real, diminutas deformaçõe­s no espelho secundário, cancelando as distorções do ar no próprio sistema óptico. É como colocar “óculos anti-atmosfera” no telescópio.

Até os anos 1990, isso não passava de ficção científica. Mas agora é uma realidade cada vez mais contundent­e e deve permitir avanços ainda mais incríveis na próxima década, quando entrarem em operação os próximos superteles­cópios de solo.

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