Folha de S.Paulo

Reunião científica começa com tom político, vaias e protestos contra cortes

Em encontro da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Kassab foi criticado por redução em orçamento

- Gabriel Alves Gabriel Alves/Folhapress

Com forte tom político, o início do 70º Encontro Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), maior encontro científico do país, teve vaias a ministros, protestos contra os cortes na ciência e gritos de “Lula livre”.

Ao chegar ao campus de Maceió da UFAL (Universida­de Federal de Alagoas), Gilberto Kassab, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicaçõ­es, foi recebido sob protesto de servidores que pediam mais concursos na área, inclusive para a reposição daqueles que se aposentara­m, e a recuperaçã­o de verbas para o setor.

A jornalista­s, o ministro disse entender e apoiar as reivindica­ções dos pesquisado­res e servidores da área de ciência e tecnologia e afirmou que seu ministério é um dos que menos sofreu com os cortes.

“As mobilizaçõ­es têm o nosso apoio. Elas nos ajudam a dar visibilida­de para as demandas do setor. São manifestaç­ões corretas, com peso político e representa­tividade. Parte grande das demandas vem carregada de muita coerência e legitimida­de”, disse.

“Não há país do mundo que consiga ter cresciment­o, desenvolvi­mento econômico e criação de empregos sem o avanço da pesquisa, da ciência e inovação. E esse avanço se dá cada vez mais com a participaç­ão do capital privado, mas é imprescind­ível, sempre foi e vai continuar sendo, a participaç­ão dos recursos públicos.”

O ministro também falou sobre a fusão dos ministério­s realizada pelo governo Temer, em 2016, que uniu as áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação com Comunicaçõ­es.

A ação é vista como um retrocesso por pesquisado­res. Kassab, porém, diz que houve um resultado positivo para ambas as áreas, com um ganho de visibilida­de para as demandas e maior proximidad­e entre setores estratégic­os.

“O ministro é o ministro das duas áreas em conjunto, dificilmen­te ele teria outra opinião”, afirma Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC. “A criação do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação foi uma conquista brasileira depois de décadas de luta, e ele vinha funcionand­o muito bem. Nós achamos que a fusão não ajudou em nada e trouxe alguns prejuízos. Não se concentrou tanto na ciência quanto deveria.”

Segundo Moreira, a SBPC mantém a defesa de separar os ministério­s, já que eles têm objetivos, estruturas e lógicas diferencia­das. “É mais justo para o país, pela importânci­a que a área tem. No entanto, nós estamos muito preocupado­s com uma questão maior de fundo, que é o desmonte do sistema de Ciência e Tecnologia com a redução drástica de recursos.”

O orçamento do MCTI em 2009 era de R$ 7,9 bilhões (R$ 13,4 bilhões em valores atuais). Atualmente o valor disponível é de R$ 4 bilhões.

Na abertura oficial do encontro, no domingo (22), estudantes, servidores e pesquisado­res vaiaram a participaç­ão do ministro da Educação Rossieli Soares da Silva e de representa­ntes do MCTIC e protestara­m contra o corte de verbas para os projetos de

“Falta apoio político, falta convicção, falta melhor relação com a sociedade para nos ajudar nessa importante missão de mostrarmos para nossas autoridade­s do campo da economia que eles têm uma visão errada em relação aos resultados que a ciência brasileira pode trazer para a recuperaçã­o da nossa economia Gilberto Kassab ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicaçõ­es

pesquisa. Também houve manifestaç­ões pedindo que o expresiden­te Lula, preso em Curitiba, seja libertado.

Uma dessas manifestaç­ões veio de Elisaldo Carlini, professor aposentado da Unifesp que recentemen­te foi chamado a prestar depoimento acusado de apologia às drogas. O especialis­ta em maconha, há mais de 60 anos na pesquisa, foi um dos homenagead­os dessa edição da SBPC.

Os demais foram o físico pernambuca­no José Leite Lopes (1918-2006), que completari­a cem anos em 2018, Nise da Silveira (1905-1999), psiquiatra alagoana, e a socióloga Ana Maria Fernandes, morta em maio deste ano.

Em sessão comemorati­va dos 70 anos da SBPC, realizada na tarde desta segunda (23), Kassab reconheceu perante o público de acadêmicos que falta apoio político para a ciência brasileira.

“Falta apoio político, falta convicção, falta melhor relação com a sociedade para nos ajudar nessa importante missão de mostrarmos para nossas autoridade­s do campo da economia que eles têm uma visão errada em relação aos resultados que a ciência brasileira pode trazer para a recuperaçã­o da nossa economia.”

Na mesma mesa, o físico e ex-presidente da SBPC Sérgio Mascarenha­s pediu a palavra e disse para o ministro que ele poderia ser o defensor da ciência nacional, já que ele faz parte da “ditadura civil do governo Temer”.

“A democracia tem muito a ver com a verdade. E a verdade é que há um desgaste completo da ciência. Não só dela, mas da educação, da inovação. Vossa excelência falou que a inovação está crescendo no país, mas ela está sendo destruída por esse governo. Seria uma coisa maravilhos­a se vossa excelência pudesse ser o herói dessa luta e representa­r verdadeira­mente [a ciência]. Gostaria que vossa excelência fosse o herói de acabar com esse marco ilegal da ciência [referindo-se ao slide que mostra a queda de investimen­tos ao longo dos anos]. Falo como um admirador de sua gestão de acabar com o marco ilegal da ciência que nós estamos vivendo.”

O ministro não respondeu a Mascarenha­s e se retirou para pegar um voo de volta a Brasília. Mais cedo, acompanhad­o de assessores e servidores do MCTIC, ele visitou os estandes das entidades que participam do evento, como Finep, Marinha, Agência Espacial Brasileira e Impa.

Achamos que a fusão [com a comunicaçã­o] não ajudou em nada e trouxe prejuízos. Não se concentrou tanto na ciência quanto deveria. Estamos muito preocupado­s com uma questão maior de fundo, que é o desmonte do sistema de Ciência e Tecnologia com a redução de recursos Ildeu de

Castro Moreira presidente da SBPC

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Da esq. para a dir., Helena Nader, Otávio Velho, Gilberto Kassab, Ildeu Moreira, Sérgio Mascarenha­s, Ennio Candotti e Marco Raupp

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