Folha de S.Paulo

EUA atendem só 2% dos pedidos de asilo de brasileiro­s

Em 2016, dado mais recente, apenas 2% dos pedidos foram aceitos, ante média global de 17%

- Estelita Hass Carazzai Drew Angerer/Getty Images/AFP

O asilo, recurso citado por brasileiro­s que entraram ilegalment­e nos EUA, é proteção ao imigrante concedida de forma criteriosa pelo país. De 2012 a 2016, apenas 2% dos 1.500 pedidos foram atendidos, diz a Justiça americana. A média global é 17%.

Depois da travessia, da separação e da reunificaç­ão a seus filhos, imigrantes brasileiro­s que cruzaram ilegalment­e a fronteira com os Estados Unidos nos últimos meses têm um novo périplo à frente para tentar evitar a deportação: o pedido de asilo.

Citado constantem­ente pelos brasileiro­s como uma última tentativa de permanecer legalmente no país, o recurso existe como alternativ­a para os que sofrem risco de morte, violência ou perseguiçã­o em seus países de origem. O asilo é uma proteção ao imigrante, mas é concedido de forma criteriosa nos EUA.

Nos cinco anos de 2012 a 2016, apenas 43 brasileiro­s conseguira­m a proteção, de um total de 1.500 pedidos, segundo os dados mais recentes do governo dos EUA.

Em 2016 (último ano de Barack Obama no poder), somente 2% dos pedidos dos brasileiro­s foram concedidos.

Naquele ano, o Brasil foi o 14º com mais pedidos de asilo (366 solicitaçõ­es), em uma lista liderada por El Salvador (17,7 mil), México (12,8 mil) e Guatemala (11,4 mil).

Nenhum dos 31 países com ao menos cem pedidos teve taxa de concessão menor que os 2% do Brasil. A do México é de 3,6% e todas as outras estão acima de 4% —a média geral em 2016 foi de 17%.

“É 98% de chance de ser mandado embora”, diz a assistente jurídica Marta Childers, que atua na região de Atlanta, no estado da Geórgia. “Aqui, é pior ainda, é 100%.”

O rigor da análise varia de acordo com o tribunal ou o juiz. Em alguns estados, a interpreta­ção da lei é mais severa.

Na maioria, a primeira pergunta do juiz é: “Por que a escolha pelos EUA? Por que não outro país ou mesmo outra cidade dentro do Brasil?”.

“Existe uma ideia entre os juízes americanos de que o Brasil é um país que tem seus problemas, mas não é perigoso a ponto de oferecer risco de vida”, comenta a advoga- Annelise Araújo, brasileira especializ­ada em causas de imigração em Boston.

Como o processo judicial demora, a maioria das famílias permanece nos EUA enquanto o pedido transcorre.

Alguns imigrantes precisam usar tornozelei­ra eletrônica, outros devem se apresentar periodicam­ente ao juiz.

Mas, para receber o asilo em definitivo, o imigrante precisa demonstrar que sofre perseguiçã­o por sua raça, religião, opinião política, etnicidade ou por pertencer a um determinad­o grupo social, como vítimas de violência contra LGBTs ou violência doméstica.

“Se é uma situação individual, como dívida com agiota ou agressão policial, o pedido dificilmen­te vai passar”, comenta Childers.

A advogada Flavia Santos Lloyd, que atua no estado da Califórnia, destaca que o asilo, quando concedido, caracteriz­a uma espécie de “divórcio” do país de origem.

“Não dá para ficar voltando”, afirma. “Eu falo para meus clientes: se voltar depois para o Brasil, você anulará o que disse na entrevista.”

No caso de imigrantes que entram ilegalment­e nos EUA, a primeira etapa para dar início ao processo é uma entrevista, que busca identifica­r se ele tem um medo crível de voltar ao seu país de origem.

Muita gente passa na entrevista —foi o caso de cerca de 80% dos imigrantes que a fizeram neste ano.

Mas boa parte dos casos acaba sendo negada na esfera judicial, ao final do processo, por não se enquadrare­m na previsão legal: apenas 22% foram concedidos no primeiro semestre deste ano.

Recentemen­te, a gestão de Donald Trump ainda fez uma mudança que tornou mais difícil a concessão de asilos: o pleiteante deve agora provar que o governo do país de origem não consegue ou não quis protegê-lo.

“O asilo nunca foi destinado a aliviar todos os problemas que as pessoas enfrentam no mundo”, afirmou o secretário da Justiça, Jeff Sessions, no mês passado.

Para ele, o “mero fato” de que uma população está mais sujeita a crimes em um determinad­o país ou de que um governo não consegue policiar certos crimes não justifica o pedido de asilo.

Ativistas e defensores de imigrantes protestara­m contra a mudança, que, segundo eles, afeta em especial vítimas de perseguiçã­o por atores privados, como em casos de violência doméstica e de gangues na América Central.

“Ele [Sessions] voltou o relógio em vinte anos”, disse Annaluisa Padilla, presidente da Associação Americana de Advogados de Imigração.

Para a advogada Stefanie Fisher, que atua em Boston, isso vai afetar um grande número de mulheres brasileira­s, que pedem asilo com base em violência doméstica.

Para os imigrantes, há outras formas de ficar legalizado, como o casamento com um cidadão americano.

Mas boa parte acaba sendo deportada ou deixa voluntaria­mente o país, antes da conclusão de seu processo: neste ano, a taxa de negativa dos pedidos de asilo nos EUA atingiu 42%, o maior percentual nos últimos dez anos.

“Existe uma ideia entre os juízes americanos de que o Brasil é um país que tem seus problemas, mas não é perigoso a ponto de oferecer risco de vida

Annelise Araújo advogada especializ­ada em imigração nos EUA

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Manifestan­tes pedem em frente à Trump Tower, em NY, reunião de pais e filhos migrantes

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