Folha de S.Paulo

Pressão na fronteira

- Matias Spektor Professor de relações internacio­nais na FGV. Escreve às quintas

O governo argentino anunciou mudança profunda no papel de suas Forças Armadas, com impacto certeiro no Brasil e no Cone Sul.

A partir de agora, a tropa argentina pode atuar contra o crime organizado, o narcotráfi­co e organizaçõ­es terrorista­s. Pode, ainda, proteger infraestru­tura crítica, como é o caso das centrais nucleares, e prestar apoio logístico para a proteção das fronteiras.

Vista do Brasil, essa guinada parece inócua porque nossas Forças Armadas já cumprem tais funções. Na Argentina, entretanto, a virada está longe de ser trivial: pela primeira vez, modifica-se a regra segundo a qual a tropa atua apenas sob a égide da ONU ou contra agressões estrangeir­as.

Para os detratores de Mauricio Macri, trata-se de um truque para trazer os militares de volta à segurança interna num país de longa tradição golpista. Para seus defensores, é medida necessária no século 21. Seja como for, a decisão tem efeito sobre o Brasil.

Desde que assumiu a Presidênci­a, Macri manifesta sua insatisfaç­ão com a falta de cooperação efetiva do Brasil na segurança das fronteiras. Para ele, o crime organizado representa um problema porque afeta seu principal colégio eleitoral, a província de Buenos Aires. E o Brasil, por dificuldad­es internas, não consegue entregar sua parte do compromiss­o.

No Brasil, a expansão do crime transnacio­nal nas regiões de fronteira do Cone Sul é o maior desafio de segurança internacio­nal.

A natureza do problema é clara. Passos fronteiriç­os, estradas, portos e aeroportos brasileiro­s se transforma­ram em entreposto de escoamento de drogas, espalhando violência. O crime organizado já consegue eleger vereadores, prefeitos, deputados e até mesmo influencia­r governador­es.

Menos clara é a solução. Em 2015, o TCU expôs a situação dramática da governança das fronteiras. Temos 13 agências responsáve­is que batem cabeça uma contra a outra. Faltam recursos e pessoal, tecnologia e capacidade gerencial. Os 11 estados federados fronteiriç­os não se coordenam nem dividem tarefas. O crime trafega por nossa fronteira com facilidade.

Gente esperta tira vantagem. Há contratos para comprar uma rede de sensores de monitorame­nto da fronteira no valor estimado de mais de uma dúzia de bilhões de reais, sem política clara ou critérios objetivos de avaliação de impacto.

Quando assumiu, Temer montou um comitê executivo para reverter a situação. Houve avanço positivo, mas a batalha é ladeira acima. Enquanto a gente não arrumar as coisas, a frustração em Buenos Aires com Brasília continuará viva.

Agora, a guinada de Macri cria pressão nova, mas também dá uma oportunida­de ao próximo presidente do Brasil.

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