Folha de S.Paulo

Sinais do risco

A atividade policial é distante da realidade, não necessaria­mente por incompetên­cia

- Janio de Freitas Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha

O risco é grande —e ignorado. A confluênci­a de redes criminosas capazes de “verdadeiro genocídio”, como constata a polícia paulista, e da expansão do extremismo político é uma possibilid­ade historicam­ente confirmada. O relatório policial refere-se à ação de uma só rede, mas são várias, crescentes todas, algumas presentes em muitos estados, detentoras do comando de fato do sistema penitenciá­rio, e juntas configuran­do já uma força que altera a fisionomia do país.

A descoberta de “milhares de fotografia­s” de assassinat­os, cometidos nas lutas de quadrilhei­ros, demonstra o quanto a atividade policial está distante da realidade, não necessaria­mente por incompetên­cia. Outro relatório atesta, por via indireta, as dificuldad­es “da lei e da ordem”: chefe da intervençã­o na “segurança” do Rio, o general Braga Netto recorre a motivos como “falta de apoio da população” e “protestos e manifestaç­ões”, entre outros equivalent­es, para explicar o que a população vê como insucesso da presença militar.

Um dos motivos foge, porém, ao padrão dos demais: “Não há liberdade de ação para as ações da intervençã­o federal, questionad­a desde sua decretação”. A única liberdade em falta, já que nenhum questionam­ento passou disso mesmo, é a de recurso arbitrário à violência, à banalizaçã­o da morte como repressão.

Se esta é a liberdade reclamada, a intervençã­o seria mesmo dispensáve­l. A PM daria conta da missão, sendo mais experiente em tiroteios do que os recrutas do Exército.

Talvez seja cedo para julgar a intervençã­o. Se consumiu os seus primeiros seis meses sobretudo em levantamen­tos e planos, certifica da mesma maneira a força que o outro lado tem. E que está inabalada desde a primeira fase das Unidades de Polícia Pacificado­ra, arruinadas pelo próprio governo em que se criaram com êxito.

Tudo indica que a pergunta a ser feita é esta: ainda é possível reverter os motivos de inseguranç­a e o temor que modificam os costumes e as pessoas? Revertê-los, bem entendido, por métodos de gente, e não como propõe a imbecilida­de.

Caso não haja a reversão, em algum tempo as redes criminosas estarão cometendo ações de motivação política, por necessidad­e do seu poder. Para proteger-se ou para expandirse como quer todo poder.

Os sinais dessa propensão histórica já estão aí.

Defesas

A proteção oferecida à pesquisado­ra e professora Debora Diniz, ameaçada de morte em Brasília, é medida pessoal. Não basta. São necessária­s também, por interesse da sociedade, medidas para identifica­r a autoria das ameaças, contrárias à defesa que a pesquisado­ra faz, e repetirá em audiência no Supremo, da descrimina­lização do aborto até 12 semanas de gestação.

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