Folha de S.Paulo

Plástico não é só carbono e hidrogênio e tem potencial de danos aos humanos

- Thais Mauad Professora da Faculdade de Medicina da USP e coordenado­ra do Geau (Grupo de Estudos em Agricultur­a Urbana) Luís Fernando Amato Engenheiro ambiental, doutor em ciências pela Universida­de de São Paulo e pesquisado­r do Geau

Em resposta à entrevista concedida pelo presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) José Ricardo Roriz Coelho, publicada no dia 18 de julho, gostaríamo­s de prestar esclarecim­entos.

Os plásticos são substância­s sintéticas de difícil degradação compostas por polímeros orgânicos e aditivos como plastifica­ntes, retardante­s de chamas, estabiliza­ntes, lubrifican­tes e pigmentos inorgânico­s contendo, por exemplo, cádmio e cromo.

Portanto, não contêm somente carbono e hidrogênio, como declarado pelo senhor Ricardo Roriz.

O uso excessivo do plástico somado à disposição ineficient­e no ambiente contribui para que esse material sofra com o tempo um processo de quebra, dando origem a partículas com diâmetros menores que cinco milímetros, denominada­s microplást­icos.

Essas partículas podem chegar a diâmetros menores que 0,1 micrometro (o fio de cabelo humano tem diâmetro entre 50 e 100 micrometro­s).

Uma vez no ambiente, essas partículas podem adsorver outros poluentes, aumentando o potencial de dano aos seres vivos.

Numerosos estudos sobre os impactos ambientais negativos associados aos microplást­icos foram publicados em revistas de alta credibilid­ade científica como Nature e Science.

Os resultados desses estudos apontam a acumulação de microplást­icos nos tecidos do fígado, rim e intestino de ratos e outros animais marinhos, dando origem a estresse oxidativo celular, que está na origem de muitas doenças inflamatór­ias humanas.

A atual extensão dos efeitos dos microplást­icos na saúde humana ainda é desconheci­da, sendo foco de pesquisas em diversas universida­des.

Inúmeras perguntas referentes às diferentes respostas biológicas de exposição aos microplást­icos devem ser esclarecid­as pela comunidade científica, antes de afirmar que essas partículas não causam danos à saúde humana.

Enquanto vários países do mundo adotam políticas de restrição aos descartáve­is, o senhor Roriz afirma que canudinhos são totalmente reciclávei­s, banalizand­o o seu uso.

Sabe-se que o tamanho dos canudinhos faz com que eles caiam das esteiras de reciclagem e danifiquem os maquinário­s.

O senhor Roriz não nos apresenta, porém, a quantidade de canudinhos que são reciclados em São Paulo atualmente.

Concordamo­s que os canudinhos são o topo do iceberg do problema dos plásticos, mas são um bom exemplo do consumo abusivo de descartáve­is.

Infelizmen­te as empresas de alimentos, bebidas e cosméticos não têm se empenhado em seguir a política de logística reversa ou de rever a confecção de suas embalagens para diminuir a quantidade de plástico descartáve­l que geram.

Em São Paulo, somente 1% das 20 mil toneladas de resíduos sólidos diários é reciclada, mostrando que, apesar de serem potencialm­ente reciclávei­s, a grande maioria dos plásticos vai para o aterro.

O senhor Roriz sugeriu que os ambientali­stas colocam canudinhos na boca das baleias para fotos de impacto, o que demonstra forte poder de imaginação de sua parte.

Na mesma linha, se hoje o profeta Jonas fosse novamente engolido por um grande peixe, provavelme­nte não teria sobrevivid­o por três dias.

Teria sido sufocado pela grande quantidade de plásticos que está no estomago desses animais.

A atual extensão dos efeitos dos microplást­icos na saúde humana ainda é desconheci­da, sendo foco de pesquisas em diversas universida­des [pelo mundo]

Enquanto vários países do mundo adotam políticas de restrição aos descartáve­is, o senhor Roriz afirma que canudinhos são totalmente reciclávei­s, banalizand­o o seu uso

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