Folha de S.Paulo

Errantes navegantes

Estudo do FMI aponta que ajuste fiscal na América Latina também reduz PIB

- Laura Carvalho Professora da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade da USP, autora de “Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico”

Conforme destacado neste espaço na quinta-feira (19) e em reportagem publicada pela Folha na segunda-feira (23), o FMI reduziu as projeções de cresciment­o da economia brasileira de 2,3% para 1,8% em 2018.

Embora o relatório tenha responsabi­lizado sobretudo a paralisaçã­o dos caminhonei­ros e as incertezas ligadas às eleições deste ano, não é a primeira vez que o Fundo muda suas expectativ­as de cresciment­o para o nosso PIB (Produto Interno Bruto) desde o início da crise: foram mais de dez revisões no cresciment­o projetado desde abril de 2014.

O grande número de alterações faz lembrar a sucessão de erros do Fundo quando projetou a retomada das economias da periferia europeia no póscrise. As frustraçõe­s foram tantas que levaram seu departamen­to de pesquisa a fazer um mea-culpa, com grande repercussã­o à época.

No artigo intitulado “Growth Forecast Errors and Fiscal Multiplier­s”, publicado em janeiro de 2013, os autores, o então economista-chefe do FMI, Olivier Blan- chard, e o pesquisado­r Daniel Leigh, concluíram que, “nas economias avançadas, consolidaç­ões fiscais mais fortes estiveram associadas a um cresciment­o menor do que o esperado”.

“Uma interpreta­ção natural é que os multiplica­dores fiscais foram substancia­lmente mais altos do que o assumido implicitam­ente pelos que realizavam as projeções”, resumiram.

Quando confrontad­os com a forte evidência empírica de que os cortes de gastos e investimen­tos públicos adiaram muito a retomada em países como Grécia e Portugal, muitos analistas sustentam a tese de que nosso caso é diferente.

Nas economias latino-americanas, os multiplica­dores fiscais, que medem o tamanho da redução do nível de renda e emprego nas economias após um corte nos gastos públicos, por exemplo, seriam menores do que nos países ricos. Alguns chegaram a defender a visão extrema de que, nos trópicos, os cortes no Orçamento poderiam até estimular o cresciment­o.

Os resultados de novo estudo publicado pelo FMI, em junho de 2018, contradize­m essa tese.

No Working Paper 18/142, intitulado “Macroecono­mic Effects of Fiscal Consolidat­ion in Emerging Economies: Evidence from Latin America”, os pesquisado­res Yan CarrièreSw­allow, Antonio David e Daniel Leigh montaram nova base de dados a partir dos ajustes fiscais anunciados e implementa­dos nos países latino-americanos entre 1989 e 2016 e concluíram que a redução dos diferentes componente­s do PIB causada pelos cortes de gasto e/ou aumentos de imposto é de magnitude muito similar à encontrada para os países ricos.

As estimativa­s do estudo sugerem que um corte de gastos no valor de 1% do PIB provoca contração de 0,9% na renda das economias da América Latina após dois anos, ante 0,7% nos 17 países da OCDE que compõem a base de dados analisada.

Já o efeito sobre o desemprego é um aumento de 0,3 pp (ponto percentual) na América Latina, ante 0,5 pp nos países ricos, que têm grau menor de informalid­ade.

As evidências acumuladas ao redor do mundo apontam para um efeito ainda maior no caso de um ajuste baseado no corte de investimen­tos públicos: o estudo de Manoel Pires de 2014, por exemplo, estimou um multiplica­dor de investimen­tos de 1,4 para o Brasil (ante -0,28 no caso das elevações de imposto).

Diante da queda no total de investimen­tos feitos por governos estaduais, municipais, federal e empresas estatais de 3,9% do PIB em 2014 para 2% do PIB em 2017 —um patamar inferior ao de 1999, segundo dados do relatório da IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te) do Senado—, não surpreende que estejamos na mais lenta recuperaçã­o da história das crises brasileira­s.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil