Folha de S.Paulo

Golpes são ameaça a indenizado­s dos planos econômicos

Entidade registra fraudes desde que a Justiça determinou o pagamento de até R$ 12 bilhões em ressarcime­ntos

- Mariana Carneiro

O acordo judicial para que bancos indenizass­em clientes devido a perdas decorrente­s dos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990, finalizado em março, gerou uma série de casos suspeitos de golpes.

De acordo com a Frente Brasileira dos Poupadores, há retenção de indenizaçã­o por parte de advogados.

Além disso, ocorrem pedidos indevidos de adiantamen­tos e até o crime da “saidinha do banco”, em que o poupador é assaltado com o dinheiro em mãos.

No Paraná, há sete ações judiciais contra um advogado cujos clientes haviam reclamado ressarcime­nto por perdas ocorridas nos planos Bresser, Verão e Collor 2.

Eles não localizara­m R$ 1 milhão a que têm direito. O advogado e a empresa que o havia contratado para o serviço negam irregulari­dades.

São 1 milhão de ações do gênero no país, totalizand­o até R$ 12 bilhões em indenizaçõ­es. Tem direito ao ressarcime­nto quem entrou na Justiça até 2016, e é preciso fazer cadastro.

A indenizaçã­o de até R$ 12 bilhões que será distribuíd­a a mais de 2 milhões de poupadores prejudicad­os pelos planos econômicos dos anos 1980 e 1990 tem incentivad­o a ação de golpistas pelo país, segundo a entidade que ficou responsáve­l por identifica­r fraudes nos processos.

Entre os principais problemas, de acordo com a Febrapo (Frente Brasileira dos Poupadores), estão a retenção de indenizaçã­o por advogado, pedidos indevidos de adiantamen­to para pagar custas e até o crime da saidinha de banco, em que o poupador é assaltado (leia quadro abaixo).

Em março, o Supremo homologou acordo entre bancos e poupadores para o pagamento de indenizaçõ­es por perdas decorrente­s dos planos econômicos. Há dois meses, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) abriu plataforma na internet em que esses poupadores, que tinham ações na Justiça, podem se inscrever para receber. A habilitaçã­o tem de ser feita por um advogado, que terá os honorários no pagamento da indenizaçã­o.

No Paraná, um advogado é acusado por sete poupadores de ter embolsado a indenizaçã­o deles. Linco Kczam, de Ivaporã, é suspeito de ter deixado de repassar mais de R$ 1 milhão a clientes, segundo a empresa de recuperaçã­o de ativos que contratou seus serviços no passado, a Officepar.

Cassius Marcellus Gobbo Secco, advogado que representa a companhia e a Cantoni Revisões, empresa para a qual Linco trabalhou, adquirida pela Officepar, disse ter identifica­do 15 poupadores lesados. Linco nega as acusações e responsabi­liza a Officepar e a Cantoni Revisões.

Por pouco uma cuidadora de 60 anos, de Curitiba, não foi prejudicad­a. Há dez anos, diz ela—que pediu anonimato—, empresas como a Officepar lhe telefonara­m oferecendo para ir à Justiça contra os bancos, a fim de reaver a perda com os planos Bresser, Verão e Collor 2. Linco representa­va uma dessas empresas.

A cuidadora e o marido entregaram procuraçõe­s em nome do advogado. A promessa era que deixariam 30% do que ganhassem para Linco e para a empresa, se vencessem a ação.

Em dezembro, ao reunir papéis para uma mudança, encontrou a procuração assinada pelo marido. Chamou o número do telefone que encontrou no papel, sem sucesso.

Com a ajuda de amiga advogada, descobriu que não só ganhara o processo como havia recebido. Buscou na internet contatos de Linco. Deixou recados, e em fevereiro foi avisada de que receberia os valores.

Quando ganhou a ação, tinha direito a R$ 16 mil. Como havia passado tempo, o advogado teve de depositar R$ 22 mil. Para ela, Linco parecia ter a esperança de que os clientes não se lembrassem das ações.

Cassius diz que a Officepar passou a levantar o status de processos de antigos clientes. E tem verificado que alguns que assinaram a procuração em nome de Linco venceram as ações, mas não receberam.

À reportagem Linco disse desconhece­r processos contra ele na Justiça do Paraná e que não pode dar detalhes do que aconteceu porque colabora com as investigaç­ões. Cassius afirma que, como as procuraçõe­s estavam no nome de Linco, a Officepar também ficou sem receber sua parte.

O presidente da Febrapo, Estevan Pegoraro, disse que a entidade avalia bloquear o acesso de Linco aos pagamentos por meio da plataforma de adesão ao acordo e recomenda aos clientes que procurem antigos advogados para obter informaçõe­s. Se houver suspeita de fraude, devem denunciá-la à Febrapo e à OAB.

Em outro caso verificado pela Febrapo, uma mulher disse que o avô recebera ligações de suposta advogada afirmando que ele tinha direito a indenizaçã­o do Plano Collor. Pediu R$ 1.480 para iniciar a ação.

Só quem tem ação ingressada na Justiça antes de 2016 tem direito a pedir para receber.

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