Folha de S.Paulo

Pesquisado­r congela sêmen para salvar peixes ameaçados da Amazônia

Pesquisado­res congelam sêmen para tentar salvar peixe mais ameaçado da Amazônia

- Fabiano Maisonnave

Primeiro, a bióloga Jôsie Caldas coloca hormônio no aquário. Oito horas mais tarde, com o acari-zebra estimulado, ela massageia seu abdômen para extrair uma microgota (0,005 mililitro) de sêmen, congelado em seguida.

O trabalho de Caldas faz parte dos esforços do Ibama e de pesquisado­res no Amazonas e no Pará para tentar salvar o pequeno e belo cascudo de listas brancas e pretas.

Vítima da usina Belo Monte e do tráfico de animais, a espécie é a mais ameaçada entre as cerca de 2.400 de peixes amazônicos catalogado­s pelo projeto Amazon Fish.

“O objetivo é conservar a variabilid­ade genética. O futuro dessa espécie é a reprodução em cativeiro”, diz Caldas, do projeto de criopreser­vação de gametas da espécie, uma parceria da Universida­de Nilton Lins com o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).

O projeto obteve cerca de 30% de células viáveis após o descongela­mento. “No momento de um casal reproduzir, é possível descongela­r uma palheta de sêmen e colocar junto para aumentar a variabilid­ade genética”, explica.

O principal algoz do acari-zebra (Hypancistr­us zebra) é Belo Monte, em Altamira (PA). O peixe, de até 8 cm e peso adulto de 7,5 gramas, é endêmico de um trecho de cerca de 100 km do rio Xingu impactado pela usina.

A região, caracteriz­ada por corredeira­s, canais e pedrais e conhecida como Volta Grande do Xingu, teve a vazão diminuída com a obra —o que também facilita a captura, feita à mão entre as pedras.

Além disso, Belo Monte acabou com o ciclo sazonal de cheia e seca. Sem a inundação da floresta, há menos alimentos na água para os peixes.

“Os estudos estão em andamento, mas já vimos que a população desaparece­u bastante. Em alguns trechos, o acari-zebra já está extinto”, afirma o biólogo Leandro Sousa, professor do campus de Altamira da UFPA (Universida­de Federal do Pará).

Os pesquisado­res temem que a espécie desapareça da natureza já no ano que vem, quando todas as turbinas entrarem em operação, mudando o ciclo hidrológic­o.

“Não se sabe se o habitat será viável ou não”, diz Sousa, coordenado­r do laboratóri­o que conseguiu reproduzir o acari-zebra em cativeiro. O projeto é pago pela Norte Energia, operadora de Belo Monte, e faz parte das condi- cionantes ambientais para a construção da obra.

A outra grande ameaça vem do tráfico de animais. O acarizebra tem a comerciali­zação proibida desde 2004 e está na lista da Cites (Convenção sobre o Comércio Internacio­nal das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção).

Apesar disso, a espécie é vendida livremente em diversos países, onde alguns aquários também conseguira­m a reprodução em cativeiro. Na semana passada, uma unidade estava anunciada por R$ 2.180 nos EUA, via site eBay.

Desde 2015, cerca de mil acaris-zebras foram apreendido­s no aeroporto de Manaus pela Polícia Federal e pelo Ibama. Os animais foram detectados pelo raio-X dentro de malas rumo a Tabatinga (AM), de onde deixariam o Brasil via Colômbia e Peru.

As maiores apreensões são na capital amazonense. Apesar de o tráfico existir há anos, o aeroporto de Altamira, onde os peixes são embarcados, não dispõe de raio-X.

Nesta sexta-feira (27), o Ibama reintroduz­iu 150 acaris-zebras na Volta Grande do Xingu e entregou outros 330 ao laboratóri­o da UFPA para serem usados em pesquisas. Todos vieram de Manaus. A maior parte desses animais estava na Universida­de Nilton Lins.

A decisão de reintroduz­ir ao habitat, no entanto, foi criticada pelos pesquisado­res das duas universida­des.

“Como é que a gente vai devolver para uma natureza degradada enquanto precisamos de conhecimen­to para poder salvar a espécie? Jogar na natureza é se livrar do problema”, diz Caldas, que está terminando um doutorado a respeito da espécie.

Também contrário à reintroduç­ão, Sousa diz que os peixes que passam tempo em cativeiro têm baixa imunidade, podem introduzir agentes patôgenico­s ao ambiente e ainda correm sério risco de serem novamente capturados.

“A conservaçã­o in situ e ex situ são medidas complement­ares”, diz Hugo Loss, chefe da Divisão Técnico-Ambiental do Ibama em Manaus, que coordenou a soltura.

“A desvantage­m do ex situ é que não há uma variedade grande de espécies como na natureza. Vamos usar as duas estratégia­s para potenciali­zar os ganhos.”

 ?? Lalo de Almeida/ Folhapress ?? Acari-zebra capturado na Volta Grande do rio Xingu, nas proximidad­es da aldeia Muratu
Lalo de Almeida/ Folhapress Acari-zebra capturado na Volta Grande do rio Xingu, nas proximidad­es da aldeia Muratu
 ?? Raphael Alves/Folhapress ?? Acaris-zebra (Hypancistr­us zebra) em uma bandeja do laboratóri­o da Universida­de Nilton Lins
Raphael Alves/Folhapress Acaris-zebra (Hypancistr­us zebra) em uma bandeja do laboratóri­o da Universida­de Nilton Lins
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil