Folha de S.Paulo

Lava Jato já recuperou quase 1/3 do valor que foi desviado

Passados quatro anos da primeira delação premiada da operação, em 2014, foi firmado um total de R$ 13,4 bi em devoluções

- Ana Luiza Albuquerqu­e

A ação da Operação Lava Jato recuperou R$ 13,4 bilhões entre a sua primeira delação premiada, em agosto de 2014, e agora. Os valores se referem a devoluções e acordos de leniência. A Polícia Federal estima que o rombo total na Petrobras possa chegar a R$ 42,8 bilhões.

Era agosto de 2014 quando o ex-diretor de abastecime­nto da Petrobras Paulo Roberto Costa decidia firmar acordo de colaboraçã­o premiada com o Ministério Público Federal —o primeiro da Operação Lava Jato.

Na ocasião, Costa estava no segundo de seus dois curtos períodos atrás das grades. Em outubro do mesmo ano, deixaria Curitiba (PR) para cumprir prisão domiciliar no Rio de Janeiro. Com o acordo, o ex-diretor ficou cerca de seis meses em regime fechado, somando as duas passagens.

Em troca, deu o caminho para que os procurador­es avançassem no que se tornaria a maior operação de combate à corrupção no país. Indicado ao cargo pelo PP, narrou o loteamento político na Petrobras, o cartel de empresas, o pagamento da propina e os repasses aos partidos, estipulado­s em percentuai­s sobre os contratos.

Além disso, devolveu R$ 79 milhões aos cofres públicos. Quatro anos depois, as cifras previstas nos 194 acordos de colaboraçã­o premiada firmados pelo Ministério Público em Curitiba, Rio e Brasília chegam a R$ 2,6 bilhões. Somados os valores previstos nos acordos de leniência (R$ 10,8 bilhões), o total a ser recuperado pela operação atinge a marca de R$ 13,4 bilhões.

Ainda não é certo o montante desviado pela corrupção na Petrobras. Procurador­es da força-tarefa já estimaram o rombo em R$ 20 bilhões.

Em laudo de 2015, no entanto, peritos da Polícia Federal estipulara­m que os desvios estão na faixa de R$ 6,4 bilhões a R$ 42,8 bilhões, trabalhand­o com uma margem de 3% a 20% para a majoração excessiva das margens de lucros das contratant­es.

No documento, os peritos afirmam que muitos dos contratos foram fechados em percentuai­s próximos do valor de 20% acima das estimativa­s de referência da Petrobras.

Sendo assim, o montante recuperado pela Lava Jato já chega a cerca de um terço do valor máximo desviado na estatal, segundo os cálculos da PF. A quantia, de acordo com especialis­tas consultado­s pela Folha, é bastante representa­tiva.

“É um número extraordin­ário, muito alto”, diz Celso Vilardi, professor da pós-graduação em Direito Penal Econômico da Fundação Getulio Vargas. “A recuperaçã­o de valores no Brasil era muito difícil.”

Vilardi ressalta que a restituiçã­o dos valores está mais atrelada aos acordos de leniência, ainda que, muitas vezes, as colaboraçõ­es premiadas impulsione­m a empresa a fazer sua própria negociação.

“O que se pode afirmar é que a simbiose, a somatória entre as colaboraçõ­es e as leniências, foram responsáve­is por esse número excepciona­l”, diz.

Segundo o professor, a Lava Jato demonstrou um caminho pelo qual é possível recuperar dinheiro com penas alternativ­as à prisão.

“É natural, em um país que não tinha feito recuperaçã­o de ativos, não tinha prática de acordos, que existam críticas e melhorias”, afirma.

De acordo com Vilardi, os acordos podem ser melhorados com o estabeleci­mento de parâmetros mais fixos, como a certeza de que a negoci- ação será aceita por todas as autoridade­s envolvidas. Hoje, quando um delator firma colaboraçã­o premiada, o juiz pode não concordar com os benefícios ofertados.

João Paulo Martinelli, professor de Direito Penal do IDP (Instituto de Direito Público) de São Paulo, tem uma visão mais crítica. Segundo ele, a priorizaçã­o dos acordos indica que o Estado tem mais interesse em recuperar os valores do que em punir. “Consideran­do todo o histórico é um valor alto. Inclusive o preço que se paga é a aplicação de penas bastante esdrúxulas para os delatores. Dentro dessa visão de que o mais importante é recuperar, vale a pena.”

Martinelli diz enxergar que o Estado tem concedido favores para os réus por avaliar que, sem a colaboraçã­o, não seria possível chegar a outros atores e aos valores desviados.

“Se fosse pensar na punição, o Estado teria que investir mais na inteligênc­ia. A delação seria o último recurso a ser utilizado, não o primeiro. O correto é que fosse o último, para o Estado não precisar conceder tantos favores.” Dados fornecidos pelo Ministério Público Federal no Paraná mostram um pico de colaboraçõ­es premiadas em 2016. Em 2014, foram firmadas 12 delações em Curitiba e Brasília.

Depois de Paulo Roberto Costa, foi a vez do doleiro Alberto Youssef. As delações dos dois são encaradas como complement­ares —enquanto o exdiretor expôs os meandros da corrupção na Petrobras, Youssef explicou como acontecia a lavagem do dinheiro.

O doleiro é, por sinal, veterano nos acordos de colaboraçã­o. Ele já havia firmado delação no caso Banestado, investigaç­ão de um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que remeteu bilhões de reais ao exterior. Youssef, no entanto, descumpriu os termos do acordo ao persistir em práticas criminosas.

Em 2015, 33 acordos foram firmados pelo MPF. Entre eles, o do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. No ano seguinte, o número pulou para 108, recuando para 18 em 2017.

O pico de 2016 pode ser explicado pelas 77 colaboraçõ­es firmadas no fim do ano com executivos da Odebrecht, incluindo Emílio e Marcelo Odebrecht. Conhecida como a delação do fim do mundo, gerou 83 inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal) contra 108 autoridade­s com foro privilegia­do.

Aquele também foi o ano das controvers­as delações do ex-senador Delcídio do Amaral e do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Em 2017, os marqueteir­os João Santana e Mônica Moura foram adicionado­s à lista.

Nos sete primeiros meses de 2018, foram apenas quatro acordos. Há ainda a colaboraçã­o premiada firmada pela Polícia Federal —contra a vontade do Ministério Público— com o ex-ministro Antonio Palocci, figura chave dos governos Lula e Dilma.

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