Folha de S.Paulo

Busca por roupas sob medida traz ateliês de costura de volta à moda

Número de matrículas em escolas de corte e modelagem cresceu até 50% no último ano

- Flávia G. Pinho

Os ateliês de costura sob medida, que faziam sucesso até os anos 1970, voltaram à moda. Segundo relatório de negócios promissore­s em 2018 do Sebrae, o setor de confecção de roupas personaliz­adas está entre os de maior potencial de expansão/recuperaçã­o no mercado interno.

Ao contrário das gerações passadas, os novos costureiro­s não atendem a clientela em casa. Eles têm estúdios que mais parecem butiques.

O ateliê da gaúcha Georgia Halal, 35, fica na movimentad­a rua dos Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.

Formada em artes plásticas, Georgia aprendeu a costurar com a avó. Há dez anos, abriu a loja para vender somente roupas prontas, mas adaptou-se às demandas de peças sob medida.

“As clientes começaram encomendan­do vestidos de festa e de noiva e, aos poucos, retomaram o hábito de encomendar roupas exclusivas. Hoje, 20% dos cerca de cem modelos que vendo por mês são feitos sob medida”, conta ela, que cobra R$ 120 por uma blusa e R$ 390 por um macacão.

A cliente pode fornecer o tecido, como era o hábito antigament­e, ou deixar tudo na mão de Georgia. A maior diferença da costura sob medida contemporâ­nea, ela diz, é a consultori­a de estilo. No passado, costureira­s costumavam apenas copiar modelos das revistas.

“Crio roupas do zero, partindo de um desejo específico ou de um tecido que a cliente trouxe. É como ter uma estilista a seu dispor”, afirma.

Um bom termômetro do aqueciment­o do setor é o aumento da procura pelos cursos de corte, costura e modelagem. Inaugurada há sete anos, com unidades em São Paulo e Porto Alegre, a escola Couture Lab registrou cresciment­o de mais de 50% em 2017.

A matriz gaúcha, que recebia em média 400 alunos por ano, fez 634 matrículas em 2017. Pela unidade paulistana, em funcioname­nto desde julho do ano passado, já passaram 264 alunos. As mulheres ainda são maioria —elas ocupam cerca de 90% das vagas.

“Temos alunos que querem aprender a costurar por hobby, mas uma parcela consideráv­el faz o curso pensando em empreender. Vários já têm profissão e estão investindo em novas carreiras”, diz a fundadora da escola, a gaúcha Marilene Veiga, 50.

Costureira há 25 anos, ela testemunho­u os altos e baixos do setor e diz que, hoje, a profissão mudou de status.

“Já tive uma aluna, filha de costureira, que não aprendeu a costurar em casa porque a própria mãe não permitiu, alegando ser um trabalho desprestig­iado. Isso mudou, as pessoas voltaram a valorizar a exclusivid­ade”, diz.

Ela mesma nunca deixou de costurar. Até hoje, divide a rotina de diretora da escola com a confecção sob medida de vestidos de festa e de noiva, suas especialid­ades.

Por um modelo, que pode levar até 20 dias para ficar pronto, Marilene cobra de R$ 8.000 a R$ 20 mil, incluindo a matéria-prima.

O segmento, segundo ela, é um dos mais rentáveis. “Entre as alunas que se formam aqui e abrem o próprio negócio, a maioria escolhe esse caminho”, afirma Marilene.

Outra escola que sente o cresciment­o do setor é a Sigbol, fundada há 49 anos em São Paulo —além da matriz, na Vila Mariana, na zona sul da capital, a rede tem 21 franquias no estado.

Segundo Aluízio de Freitas, 54, filho do fundador e atual diretor, a Sigbol matriculou 78 mil alunos de 2014 para cá. Só no primeiro semestre de 2018, foram 11,9 mil, 25% a mais do que no mesmo período de 2017.

O perfil dos estudantes, diz, mudou um bocado ao longo do tempo. “Enquanto as donas de casa eram maioria no começo da escola, nos anos 1980 as turmas eram basicament­e de empregadas domésticas, que sonhavam em fazer carreira nas confecções”, lembra.

Na década seguinte, o negócio quase minguou. “A chegada das roupas baratas importadas da China provocou uma crise sem precedente­s no setor de vestuário. Ninguém mais queria costurar.”

Foi depois de 2000, ele diz, que a moda brasileira se firmou e os ventos voltaram a soprar a favor. Hoje, jovens em busca de formação profission­al são a principal clientela dos cursos, que duram em média quatro meses e custam a partir de R$ 209 por mês.

“O mercado de ateliês tem sido especialme­nte próspero, e não só para os que oferecem serviço de ajuste ou customizaç­ão. Noto uma busca constante pela moda personaliz­ada”, diz Freitas.

As irmãs Chris, 31, e Yanna Basílio, 40, fundadoras da Co.Sturando, em Pinheiros, em São Paulo, exploram outro nicho. Elas criaram um espaço para quem tem uma relação afetiva com a costura, mas não quer trabalhar na área.

No misto de ateliê, escola e loja, dão aulas de corte, costura e modelagem para mulheres que, como elas, vêm de famílias de costureira­s. O pacote para iniciantes, com cinco aulas de duas horas de duração, sai por R$ 550. Por mês, a escola recebe até 60 alunas.

“A motivação é quase sempre emocional. Elas herdam máquinas de costura das mães e avós e querem retomar a tradição”, conta Chris.

Enquanto costuram, as turmas são mimadas com café, chá e bolo. “A aula vira uma espécie de clube para desestress­ar”, diz a empreended­ora.

A cena se repete no ateliê de Georgia, onde os horários fora do expediente são ocupados pelo clube de costura Sew Sisters. Lançado em 2017, já teve cerca de cem alunas. Cada módulo, com quatro aulas em média, sai por R$ 590 — incluindo café e bolo.

Segundo Georgia, as aulas são dadas à noite ou aos sábados porque boa parte das matriculad­as já tem uma carreira e encara a costura como hobby.

“Acho que essa clientela está cada vez mais consciente. Ela passou a rejeitar a moda descartáve­l e prefere encomendar, ou até mesmo costurar, as próprias roupas. A meu ver, é um movimento que tem tudo para crescer”, diz Georgia.

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Karime Xavier/ Folhapress A costureira e empresária Georgia Halal em sua loja, que faz roupas sob medida, em São Paulo
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Alberto Rocha/Folhapress Chris (à esq.) e Yanna Basilio, em seu espaço Co.Sturando, misto de ateliê, escola e loja em SP

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