Folha de S.Paulo

PF é ‘porta de trás’ para quem acerta delação premiada

Carlos Fernando Procurador da República em Curitiba

- Ana Luiza Albuquerqu­e

“Não existe acordo do fim do mundo (...) Palocci é dito que vai ser do fim do mundo. Não vai ser. Existem colaboraçõ­es boas, que se justificam, e as que, infelizmen­te, não se justificam

Carlos Fernando dos Santos Lima parece confortáve­l. Vestindo trajes casuais, o procurador recebe a reportagem no QG da Lava Jato para falar sobre um assunto que conhece bem: as colaboraçõ­es premiadas.

Passados quatro anos do primeiro acordo firmado no âmbito da operação, o instituto segue motivo de polêmica. Há três meses, a contragost­o do Ministério Público, a Polícia Federal marcou posição ao fechar a delação do ex-ministro Antônio Palocci.

Para Santos Lima, ainda assim, a Procurador­ia é a porta da frente para os acordos. Sobre a colaboraçã­o de Palocci, não poupa críticas: “Qual era a expectativ­a? De algo, como diz a mídia, do fim do mundo. Está mais para o acordo do fim da picada.”

Para ele, a autorizaçã­o do Supremo Tribunal Federal aos acordos com a polícia “deu excessivo poder ao juiz”.

“A PF faz o acordo: você me entrega e depois o juiz vai te dar o benefício. Nosso acordo diz assim: você me entrega isso e vamos oferecer esse benefício. Se o juiz negar, vamos recorrer. Isso dá mais segurança jurídica.”

A primeira fase ostensiva da Lava Jato foi em março de 2014. Em agosto do mesmo ano, foi fechado o primeiro acordo de colaboraçã­o, com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. A investigaç­ão e as delações sempre andaram lado a lado?

Um dos pilares da Lava Jato é a colaboraçã­o, uma técnica que nós criamos em 2003, [sendo] a primeira com o Alberto Youssef no Banestado. É a única forma de você compreende­r como uma investigaç­ão sai de uma Range Rover presentead­a a um ex-diretor da Petrobras para chegar na situação atual. Economiza muito do dinheiro público em relação a investigaç­ões complexas.

Como seria a Lava Jato sem as colaboraçõ­es?

Nós mal teríamos chegado à conclusão de que houve corrupção na Petrobras. Na primeira vez em que a Petrobras veio aqui, veio para nos dizer que era impossível ter corrupção na Petrobras, que todos os esquemas de controle funcionava­m perfeitame­nte. Mas vem Paulo Roberto Costa e diz: “Não, existia”. Ele explica tudo. Estaríamos nos batendo hoje, ainda, com uma discussão se houve ou não corrupção.

Isso torna a operação dependente dos acordos?

É uma técnica moderna que tem que ser usada. Todas as investigaç­ões de crime organizado hoje vão depender da colaboraçã­o. Quando você tem uma organizaçã­o criminosa, você tem uma confiança entre os membros. Eles estão todos ganhando, não tem por que derrubar o esquema.

Quando você introduz a possibilid­ade da colaboraçã­o, começa a gerar desconfian­ça. Isso tem um aspecto preventivo. Hoje, no Brasil, esquemas estão acontecend­o. Entretanto, eles sabem que a qualquer momento qualquer um pode, se tiver possibilid­ade de ser pego, colaborar. Acho que está havendo uma reação injusta contra o instituto. Nós tivemos colaboraçõ­es que não foram boas, não foram feitas com a melhor técnica.

O senhor pode citar algumas?

O caso do Delcídio [do Amaral], do Sérgio Machado, por exemplo. Quando você faz com excesso de rapidez, corre o risco de fazer colaboraçõ­es mal feitas. Delcídio, na minha opinião, quase nem se autoincrim­ina. A primeira coisa é o colaborado­r falar os crimes que cometeu.

Nestes casos o acordo foi mais benéfico para o colaborado­r do que para o Estado?

Eu acho que sim. No caso do Sérgio Machado, no final das contas, o principal sequer foi denunciado. Aquelas conversas supostamen­te com membros do Congresso e ex-parlamenta­res, que geraram até pedido de prisão no Supremo, sequer movimentar­am uma denúncia. Aquela gravação era um bom início de negociação, mas não era um fim em si mesma. A gente tem que tomar muito cuidado com excesso de vontade de conseguir certos documentos, provas, gravações.

Há afobação às vezes?

É natural, acho que até o jornalista compreende bem isso. Você está diante de uma situação de ter aquela reportagem, aquela denúncia, mas talvez não seja aquela [ênfase] que poderia ser, se tivesse um pouco mais de cuidado. O grande problema são colaboraçõ­es mal feitas, não ilegais, e que geram uma crítica ao instituto.

O acordo dos irmãos Batista, da JBS, arranhou o instituto perante a opinião pública?

Acho que sim. É uma confusão, um ataque ao instituto, e não ao acordo em si. O instituto é bom. Nós, em Curitiba, não damos imunidade, por princípio. Marcelo Odebrecht era até uma figura mais importante que Joesley, mas nós exigimos que ele ficasse um ano preso depois de assinado o acordo. Ficou três anos no regime fechado. Você precisa explicar para a população por que você fez o acordo. Vou dar o exemplo também do acordo do [Antônio] Palocci, celebrado pela PF depois que o Ministério Público recusou. Demoramos meses negociando. Não tinha provas suficiente­s. Não tinha bons caminhos investigat­ivos.

Fora isso, qual era a expectativ­a? De algo, como diz a mídia, do fim do mundo. Está mais para o acordo do fim da picada. Essas expectativ­as não vão se revelar verdadeira­s. O instituto é o problema? Eu acho que a PF fez esse acordo para provar que tinha poder de fazer.

Foi uma queda de braço?

Foi uma queda de braço talvez conosco, mas a porta da frente dos acordos sempre será o Ministério Público. A porta dos fundos é da PF. As pessoas irão à PF se não tiverem acordo conosco. Não recusamos porque não gosto da cara do cidadão, mas porque vamos ter dificuldad­e para explicar por que fizemos. Acordo não é favor.

Por que o senhor acha que o Supremo autorizou a PF a firmar os acordos?

Acho que a interpreta­ção do Supremo deu excessivo poder ao juiz. A PF faz o acordo: você me entrega e depois o juiz vai te dar o benefício. Nosso acordo diz assim: você me entrega isso e vamos oferecer esse benefício. Se o juiz negar, vamos recorrer. Isso dá mais segurança jurídica. Tenho a impressão que houve excesso de empoderame­nto do Judiciário.

Juiz tem que ser inerte. Não pode participar de negociação porque começa a se interessar pelo resultado da investigaç­ão. Tem que decidir conforme as provas, não pode se envolver emocionalm­ente. Por mais que se fale aqui no Paraná, no Brasil inteiro, que o [Sergio] Moro dirige as investigaç­ões, doutor Moro não dirige investigaç­ão nenhuma.

No início do ano a Folha publicou uma reportagem relatando que a delação da Odebrecht havia gerado, até então, poucos resultados práticos. Depende do ponto de vista. Ela gerou inúmeras investigaç­ões. O problema é o foro privilegia­do. O que estamos vendo nos arquivamen­tos no Supremo é a incapacida­de de investigar adequadame­nte no foro privilegia­do. No foro o ministro participa de cada decisão, vai e vem. Às vezes aqui uma coisa que é feita em uma tarde lá demora uma semana.

Tenho certeza de que, se boa parte dessas investigaç­ões fosse feita em primeiro grau, teria um resultado mais eficiente. Até nós podemos sofrer a crítica. Por que a Lava Jato diminuiu o ritmo? Porque a todo momento estamos sendo brecados ou pelo foro privilegia­do ou pela transferên­cia de casos para a Justiça Eleitoral. A Lava Jato no começo era uma Ferrari. Agora, somos um caminhão. Milhares de coisas que fomos acumulando, que temos que resolver.

Um dos problemas que está nos segurando é a estrada, que é ruim. Se os ministros do Supremo insistirem em tirar as coisas do Paraná ou mandar para a Eleitoral, vai ficar difícil. A Justiça Eleitoral em segundo grau é muito menos jurídica e muito mais influencia­da por fatores políticos. O Supremo hoje diz: esse caso não é seu. Mas se alguém olhar a Constituiç­ão, o Supremo não tem essa competênci­a. Quem decide conflito de competênci­a entre Justiça Federal e Estadual é o STJ.

A Procurador­ia do Paraná colocou um freio no firmamento de novos acordos?

Estamos voltando para o básico. Em vez de termos grandes acordos, estamos optando por pequenos acordos pontuais, que têm muita utilidade no desdobrame­nto de investigaç­ões. Toda vez que faço um grande acordo esbarro no foro. É preferível fazer um acordo com pessoas menores que resolvo aqui no Moro.

Para o senhor, qual foi a delação do fim do mundo?

Diria que do Paulo Roberto Costa porque dela decorre todo o restante. [Pedro] Barusco foi importante. O Alberto Youssef é a colaboraçã­o que deu origem à 7ª fase, das empreiteir­as, o momento de virada da Lava Jato. Não existe acordo do fim do mundo. Ainda mais no mundo em que os aspectos políticos acabam abafando as investigaç­ões. Palocci é dito que vai ser do fim do mundo. Não vai ser. Existem colaboraçõ­es boas, que se justificam, e as que, infelizmen­te, não se justificam.

 ?? Rodolfo Buhrer/Folhapress ?? O procurador da Lava Jato Carlos Fernando Lima Carlos Fernando dos Santos Lima, 54 é procurador regional da República. Mestre em direito pela Cornell Law School (EUA), é coautor dos livros “Lavagem de Dinheiro: Prevenção e Controle Penal”
(2013) e...
Rodolfo Buhrer/Folhapress O procurador da Lava Jato Carlos Fernando Lima Carlos Fernando dos Santos Lima, 54 é procurador regional da República. Mestre em direito pela Cornell Law School (EUA), é coautor dos livros “Lavagem de Dinheiro: Prevenção e Controle Penal” (2013) e...

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