Folha de S.Paulo

Hesitação oficial faz sem-teto se fixar no Paissandu

Três meses após desabament­o de edifício, prefeitura ainda mantém estrutura para acampados

- Mariana Zylberkan

Desalojado­s pelo incêndio e desabament­o de prédio no centro de SP deixaram barracas ao sair do local.

Como elas não são retiradas pela prefeitura, acabaram ocupadas por semteto em busca de auxílio. A região afetada, no largo do Paissandu, sofre com falta de limpeza.

As barracas que transforma­ram o largo do Paissandu em uma ocupação improvisad­a ainda são praticamen­te as mesmas instaladas após o incêndio e o desabament­o do edifício Wilton Paes de Almeida, na região central de São Paulo. Seus ocupantes, no entanto, mudaram bastante nesses últimos três meses.

Os desalojado­s pela tragédia deixaram os barracos de lona à medida em que passaram a receber o auxílio-aluguel de R$ 400 mensais pagos a vítimas de desastres.

As barracas vazias, porém, diante da hesitação da gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) de removê-las, passaram a servir de moradia a semteto que nunca estiveram no prédio incendiado, mas viram ali uma chance de receber o auxílio-aluguel e também furar a fila da habitação.

Os desalojado­s, além de receberem o benefício, foram cadastrado­s em programas habitacion­ais que concedem moradia a pessoas de baixa renda. Segundo a prefeitura, há hoje 37 pessoas que permanecem no acampament­o, que mudou o visual de uma importante praça do centro.

No entorno da igreja centenária, se acumulam restos de comida e poças formadas pela água usada para lavar a louça.

A falta de limpeza tem contribuíd­o para a proliferaç­ão de pulgas e piolhos. A Prefeitura Regional da Sé afirma que tentou lavar o local diversas vezes, mas sem sucesso diante da resistênci­a dos acampados.

Há 90 dias, a gestão municipal prefere manter o diálogo para convencê-los a deixar o largo de forma voluntária e ir para abrigos, por exemplo.

Outra opção seria desmontar e recolher as barracas, como a gestão faz com moradores de rua em outros pontos da cidade, mas isso ainda não tem previsão de ocorrer.

A hesitação da prefeitura é acompanhad­a de tentativas pouco ortodoxas das defensoria­s públicas estadual e da União que acabaram não acatadas pela Justiça, como disponibil­izar imóveis ociosos no centro para abriga-los.

A promotoria, por sua vez, demorou a atuar em relação às crianças do acampament­o e atribuiu ao conselho tutelar a função de monitorame­nto.

Os banheiros, assim como as grades que circundam as barracas, continuam lá um mês após o prazo judicial estabeleci­do, o que ajuda a manter vivo o acampament­o — hoje composto, em sua maioria, por pessoas interessad­as em burlar a fila do auxílio e da habitação.

O prolongame­nto da situação tem transforma­do o acampament­o em terreno fértil para problemas como acúmulo de sujeira, aliciament­o de crianças para pedir esmolas e refúgio de assaltante­s.

Na manhã de sexta-feira (27), guardas-civis entraram no acampament­o para prender um homem que havia roubado um celular e fugiu para o meio das barracas. “Foi horrível, isso aqui parecia uma favela do Rio”, disse Suzana Santiago, 43, uma das acampadas.

Cleide Assis, 41, passou mal e teve que ser socorrida. Ela se mudou para o local após ter sido despejada da pensão onde vivia na região da cracolândi­a, há dois meses. “Achei melhor vir para cá do que ficar na rua”, diz ela, que divide a barraca com o neto de 14 anos.

Assim como ela, há integrante­s de outras ocupações do centro, que se juntaram aos acampados. Há um grupo que mora no Grajaú, na zona sul, e também ocupa as barracas atraído pelas doações de comida, roupas e brinquedos que chegam com frequência.

Há também desalojado­s pelo desabament­o. Adilson da Silva, 48, por exemplo, morava no prédio, recebe o auxílio-aluguel há dois meses, mas diz que não consegue sair de lá porque usa o dinheiro para alimentar a família.

Ele mostra o contrato exigido por uma imobiliári­a para alugar um quarto e sala na região central por R$ 1.000. Para poder se mudar, precisaria apresentar comprovant­e de renda equivalent­e ao valor de três aluguéis. “Se tivesse isso você acha que eu estaria mo- rando em uma ocupação?”

Desde 3 de julho, a prefeitura considera os acampados do largo como população de rua. Foi nessa data que se encerrou o atendiment­o habitacion­al aos desalojado­s. Quem não convenceu a administra­ção que, de fato, vivia no prédio ficou de fora da lista de beneficiad­os.

Mesmo assim, alguns deles dizem que eram moradores. Alexandre da Conceição Silva, 35, afirma que estava na calçada conversand­o com amigos quando ouviu a primeira explosão na madrugada de 1º de maio, dia da tragédia. Como os portões estavam fechados, ele quebrou os vidros do primeiro andar e resgatou os moradores.

Sua versão é confirmada por Suzana Santiago, 43, que vivia no prédio e recebe o benefício. “Ele salvou um monte de gente e ficou sem nada”, diz ela, que continua no acampament­o para convencer os que permanecem por lá a ir para abrigos.

Os que resistem a criticam por “tentar enfraquece­r o movimento”. “O auxílio-aluguel não é solução. Vamos continuar a não ter onde morar”, diz Adilson Silva, sobreviven­te da tragédia.

O edifício Wilton Paes de Almeida desabou em 1º de maio no Largo do Paissandu, no centro de SP. O que aconteceu com os sobreviven­tes da tragédia?

Quem conseguiu comprovar ter sido morador do edifício recebeu o auxíliomor­adia —parcelas mensais de R$ 400, mais R$ 1.200 no primeiro pagamento. O benefício será pago por um ano pelo governo estadual e, depois, a prefeitura assume a despesa até as famílias serem inseridas em um programa habitacion­al, como Locação Social ou o Minha Casa, Minha Vida.

Quantos desalojado­s pelo desabament­o receberam o benefício?

Segundo a Secretaria de Habitação municipal, foram analisados pedidos de 435 famílias, das quais 291 tiveram vínculo comprovado.

Quem pode receber o auxílioalu­guel?

Desalojado­s por desastres, moradores retirados de áreas de risco e em decorrênci­a de obras públicas.

Ainda há desalojado­s pelo desabament­o no largo do Paissandu?

A prefeitura diz que já concedeu auxílio-moradia a todos que comprovara­m terem morado no prédio.

Há pessoas de outras ocupações no acampament­o?

Sim. Parte do acampados vive em outras ocupações e passa os dias no largo do Paissandu, em busca das doações que não param de chegar e na esperança de um atalho para entrar na lista de beneficiad­os com o auxílio-aluguel.

A prefeitura pode retirar as pessoas à força da praça?

Não, mas pode desmontar o acampament­o.

Como essa ação pode ser feita?

Em janeiro, a então gestão do prefeito João Doria (PSDB) revogou decreto do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) que proibia a apreensão de colchões, cobertores e barracas desmontáve­is dos moradores de rua. Agora, durante as ações de zeladoria, é vetado recolher apenas objetos pessoais, como mochilas, documentos, roupas e instrument­os de trabalho dos moradores de rua.

Por que a prefeitura não desmonta o acampament­o?

A gestão prefere convencê-las a ir para abrigos. A prefeitura diz que disponibil­iza 14,5 mil vagas em abrigos diariament­e.

Foi dado prazo para as famílias deixarem o largo?

Não. Desde 3 de julho, os acampados passaram a ser tratados pela prefeitura como moradores de rua, e não mais como desalojado­s pelo desabament­o. Nesta data, havia previsão de retirada das grades que protegem o acampament­o e os banheiros químicos, mas nada foi feito.

 ?? Fotos Eduardo Anizelli/Folhapress ?? Crianças acampadas no largo do Paissandu, no centro de São Paulo, para onde foram os antigos moradores do Wilton Paes de Almeida
Fotos Eduardo Anizelli/Folhapress Crianças acampadas no largo do Paissandu, no centro de São Paulo, para onde foram os antigos moradores do Wilton Paes de Almeida
 ??  ?? Banheiros químicos instalados em praça após decisão judicial para atender acampados
Banheiros químicos instalados em praça após decisão judicial para atender acampados
 ??  ?? Barracas onde sem-teto vivem desde 1º de maio, quando edifício pegou fogo e desabou
Barracas onde sem-teto vivem desde 1º de maio, quando edifício pegou fogo e desabou

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