Folha de S.Paulo

Arbítrio à solta

Sobre abusos da Polícia Federal em ação na UFSC.

- Editoriais@grupofolha.com.br

Não vinham sendo poucos, nem insignific­antes, os indícios de abuso de autoridade na Operação Ouvidos Moucos, que investiga supostas irregulari­dades na Universida­de Federal de Santa Catarina.

Como se sabe, a investida policial levou à prisão, em setembro de 2017, do reitor da instituiçã­o, acusado de tentar obstruir o esclarecim­ento dos fatos. Libertado depois de 18 dias, Luiz Carlos Cancellier encontrou a própria morte, ao atirar-se do sétimo andar de um shopping de Florianópo­lis.

Tendo deixado um bilhete no qual se declarava inocente de qualquer delito e responsabi­lizava a operação por seu ato, o reitor foi naturalmen­te visto, na comunidade acadêmica e por setores da opinião pública, como uma vítima da sanha persecutór­ia que estaria a predominar entre os órgãos voltados as a combater a corrupção.

Se havia ainda alguma dúvida quanto aos exageros e ao comportame­nto arbitrário nesse caso, os últimos acontecime­ntos são suficiente­s para dissipá-la em definitivo.

Face a modestas manifestaç­ões ocorridas na universida­de, por ocasião de seu aniversári­o de 57 anos, a Polícia Federal passou a agir contra um docente da instituiçã­o, tornando-o suspeito de cometer crime contra a honra da principal encarregad­a da Ouvidos Moucos.

Num programa televisivo feito por alunos da UFSC, o professor Aureo Mafra de Moraes fazia homenagens ao reitor morto, tendo atrás de si cartazes que propagavam a versão de que seu suicídio fora causado pelas acusações de que fora vítima —nenhuma delas, aliás, comprovada até agora.

Faixas condenando o abuso de poder e indagando sobre quem teria matado o reitor também apareciam, com fotos da delegada Erika Marena e de uma juíza.

Esse gênero de protesto, legítimo em qualquer democracia, e ainda mais num ambiente de liberdade como é o de uma instituiçã­o acadêmica, motivou iniciativa­s de claro conteúdo intimidató­rio.

Um delegado exigiu que o professor Aureo Mafra de Moraes nomeasse os responsáve­is pelo evento. Outro delegado, depois de saber da reportagem, considerou que a chefe da operação deveria ser consultada: teriam as faixas agredido sua honra pessoal?

Ela considerou que sim, abrindose inquérito policial contra o professor e os alunos. Também o atual reitor, Ubaldo Balthazar, foi interrogad­o sobre o episódio —que, no máximo, expressava o apoio da comunidade universitá­ria a um de seus membros, morto tragicamen­te e acusado sem fundamento sólido conhecido até agora.

Intimidaçã­o e arbítrio se mostram evidentes, dando indicação do despreparo de autoridade­s da PF para agir numa democracia —e do quanto se podem desacredit­ar as ações anticorrup­ção quando se desenrolam num clima de prepotênci­a e amedrontam­ento.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil