Folha de S.Paulo

Coalizões e perversão

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

“Os ingleses detestam coalizões”, afirmou o premiê conservado­r britânico Disraeli (18041881). Mas a afirmação mais contundent­e é de Willy Brandt, ex-premiê alemão (1969 a 1974), em relação à “Grande Coalizão”, o acordo entre social-democratas e democratas cristãos que o antecedeu: “soa como ato sexual pervertido”.

Não arriscaria conjectura­s sobre o que Brandt diria em relação às alianças que estão sendo forjadas para as eleições presidenci­ais.

A rejeição a coalizões faz parte de uma forte tradição para a qual o melhor desenho institucio­nal é o modelo de Westminste­r, cujas bases são o parlamenta­rismo e o voto em distritos uninominai­s, o qual produz o bipartidar­ismo.

Para seus defensores, este modelo produz governos responsáve­is perante o parlamento, com clareza de responsabi­lidade, “identifica­bilidade”, e accountabi­lity: o eleitor sabe a quem culpar se algo der errado, quem está no comando, e a queda do gabinete é automática na ausência de apoio parlamenta­r.

Entretanto, os governos de coalizão são atualmente a forma modal de arranjo governativ­o: quase 80% dos países parlamenta­ristas e 52% dos presidenci­alistas têm coalizões multiparti­dárias.

Fica para outra coluna a discussão das patologias do modelo de Westminste­r. Interessa-nos aqui apenas um ponto: o quase consenso histórico em torno deste modelo inverteuse. O arranjo que caracteriz­aria a boa governança para a maioria dos especialis­tas desde a década de 1970 é o chamado modelo consensual de democracia, representa­do pelos países escandinav­os e por Holanda, Bélgica, Alemanha, Áustria.

Seu pilar são as coalizões multiparti­dárias, viabilizad­as pela adoção da representa­ção proporcion­al. Para seus defensores, produz mais inclusivid­ade, representa­tividade, e estabilida­de. Na ciência política, inúmeros trabalhos quantitati­vos produziram evidências sustentand­o a superiorid­ade do modelo consensual no que se refere a resultados sociais, fiscais e econômicos.

O Brasil tem um formato institucio­nal híbrido que combina elementos de ambos os modelos, mas com forte componente consensual, como mostrou o cientista político Octávio Amorim (FGV-RJ).

Por que as coalizões pervertera­m-se em arranjos degenerado­s? A hiper-inclusivid­ade do sistema institucio­nal explica parte do problema. Contudo, a chave é a fraqueza histórica das instituiçõ­es de controle. Seu fortalecim­ento nas duas últimas décadas implodiu o sistema. Na realidade, controles fortes são precondiçã­o ao seu funcioname­nto.

Na agenda de reformas, é preciso cuidado para não jogar fora o bebê com a água do banho.

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