Folha de S.Paulo

Nos anos 1980, ditadura monitorou seguidores de Osho no Brasil

- Amanda Audi

brasília “Em meio aos apelos da vida moderna, ao corre-corre, à falta de mais amor entre as pessoas e opções de tempo para o lazer, tem surgido, aqui, ali e acolá, pessoas que se propõem a oferecer um outro ‘caminho’, um outro estilo de vida para os povos.”

Assim começa um relatório confidenci­al produzido pelo SNI (Serviço Nacional de Informaçõe­s), o braço de inteligênc­ia da ditadura militar, sobre comunidade­s brasileira­s ligadas ao guru indiano Baghwan Shree Rajneesh (1931-90), hoje conhecido como Osho.

O guru é tema da série documental Wild Wild Country, da Netflix, que narra o período em que Osho criou a comunidade de Rajneeshpu­ram, nos EUA, na década de 1980.

Cerca de 6.000 pessoas moraram no local, que se tornou famoso por uma série de situações controvers­as. Entre elas, a prática de sexo livre, o uso de armas, a participaç­ão em um ataque biológico (em que mais de 700 pessoas foram infectadas com salmonela) e até tentativas de assassinat­o de opositores.

Seguidores dizem que a série é tendencios­a e foca em casos excepciona­is.

Na época, grupos semelhante­s começaram a pipocar em outros países. No Brasil, seguidores (conhecidos como sannyasins) se organizara­m na zona rural de vários estados.

Os números são incertos, mas estima-se que cerca de 2.000 pessoas passaram a seguir o guru no país. Nem todos viviam em comunas. As que existiam eram compostas por poucas pessoas.

O terapeuta cearense Guilherme Ashara criou a “OrangeHous­e” (em alusão às roupas em tons avermelhad­os que os seguidores tinham que usar) em 1985 próximo a Fortaleza. O local tinha 17 residentes e durou pouco mais de um ano.

“Uma vez a polícia foi até lá porque moradores da região se assustaram com as meditações que fazíamos”, diz.

Osho é conhecido pelas meditações dinâmicas, em que os participan­tes gritam, pulam e dançam.

O carioca Prem Abodha começou um grupo parecido com outras seis pessoas no Rio. Ele escreveu à Rajneeshpu­ram pedindo autorizaçã­o para iniciar uma comunidade, mas recebeu o aval para um centro de meditação, que funciona até hoje em Copacabana. “Nosso trabalho é de acolher pessoas interessad­as na filosofia”, afirma.

Chegou-se a cogitar a criação de uma comunidade grande, como Rajneeshpu­ram, em solo brasileiro.

Documentos produzidos por militares indicam a intenção de construir uma cidade perto de Brasília, chamada de “Ecopoli”. O projeto acabou não indo adiante, por motivos não detalhados.

Com o retorno de Osho à Índia e o fim de Rajeeshpur­am, em 1987, boa parte dos grupos no Brasil também se dissolveu.

Hoje, há apenas três que continuam funcionand­o exclusivam­ente nestes moldes, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e no Ceará.

Hoje, a maioria dos grupos adotou práticas “híbridas”, aliadas a outras filosofias e técnicas além das pregadas por Osho.

Por causa da repercussã­o da série, os grupos ainda 100% fiéis ao guru indiano passaram a funcionar de forma ainda mais reservada e costumam se fechar a curiosos.

Documentos secretos até recentemen­te revelam que os militares viam com preocupaçã­o a entrada de grupos de filosofia oriental no país, como de Osho.

Líderes dos movimentos eram fichados e acompanhad­os de perto pelos grupos de inteligênc­ia.

Para os agentes da ditadura, a intenção era “aliciar menores e induzi-los ao uso e ao tráfico de tóxicos” e realizar retiros espirituai­s “em regime de promiscuid­ade e libertinag­em”, conforme um documento de 1984.

A busca por uma vida de paz e amor seria, “de fato, em busca da droga”.

Com o objetivo de conquistar mais adeptos, continua o mesmo relatório, os integrante­s das “seitas” ligadas a Osho no país eram “agradáveis e muito educados”.

Na época, o serviço de inteligênc­ia localizou comunidade­s no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e no Distrito Federal.

Em um documento de 1973, é citado que o embaixador brasileiro em Nova Délhi alertou o governo brasileiro sobre “a ação internacio­nal de gurus, exportados pela Índia, os quais cada dia conquistam mais adeptos para uma filosofia que contrasta frontalmen­te com a do mundo ocidental”.

 ?? Arvind/Osho Panka/Reprodução Facebook ?? Membros da comunidade Osho Pankaj, no Rio, durante os anos 1980, surgida na estreia da popularida­de do guru indiano Baghwan Shree Rajneesh
Arvind/Osho Panka/Reprodução Facebook Membros da comunidade Osho Pankaj, no Rio, durante os anos 1980, surgida na estreia da popularida­de do guru indiano Baghwan Shree Rajneesh

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