Folha de S.Paulo

Reino Unido prevê proibir terapias de ‘cura gay’ e criar fundo anti-homofobia

Lei deve entrar em vigor antes de 2020; ações educativas incluem combate a bullying nas escolas

- Diana Brito

O governo britânico anunciou este mês um plano para acabar com as chamadas terapias de “conversão” de orientação sexual no Reino Unido. A iniciativa foi elaborada após uma pesquisa nacional com 108 mil lésbicas, gays, transexuai­s e bissexuais.

A previsão é que o plano entre em vigor antes de 2020, com a implantaçã­o de uma lei de proibição desses tipos de terapia. A punição, no entanto, ainda não foi divulgada.

Também será criado um fundo de 4,5 milhões de libras (cerca de R$ 22 milhões) para ações anti-homofobia como um programa de combate ao bullying nas escolas e melhorias no sistema de registros policiais de “crimes de ódio”, além da nomeação de um conselheir­o nacional de saúde LGBT.

“A orientação sexual de uma pessoa e a identidade de gênero são uma parte natural, normal de cada um, e não algo que possa ou deva ser mudado”, disse à Folha Laura Russell, coordenado­ra política da ONG LGBT Stonewall, em Londres.

“Essas terapias tentam envergonha­r as pessoas para que elas neguem quem elas são, e isso pode ter um forte impacto na saúde mental e no bemestar delas”, afirmou Laura.

Um dos dados divulgados pela pesquisa nacional, que impulsiono­u a iniciativa, é que pelo menos 2% dos entrevista­dos admitiram ter recorrido à terapia de “conversão sexual”, enquanto 5% afirmaram ter recebido ofertas nesse sentido. Ainda segundo o estudo, dois terços das pessoas LGBT têm medo de dar as mãos ao parceiro em público.

Mais da metade dos que passaram por esse tipo de tratamento disse que as terapias foram conduzidas por entidades religiosas; 19% por profission­ais de saúde; e 16% pelos pais ou por membros de suas famílias.

Cerca de 40% das pessoas afirmaram ter vivenciado incidentes como ataques verbais ou violência física nos 12 meses anteriores à pesquisa. No entanto, 90% desses casos não foram registrado­s, com a justificat­iva de que “essas agressões ocorrem o tempo todo”.

“Essas atividades são um erro, e não estamos dispostos a permitir que continu- em”, afirmou, em nota, o governo britânico. “Além disso, ninguém deve esconder quem é ou quem ama”, acrescento­u a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May.

Em entrevista ao programa “Newsbeat”, da emissora britânica BBC, uma jovem chamada Louise disse que foi forçada a fazer um tratamento de “cura gay” ou “conversão” de orientação sexual em 2007 na igreja evangélica que frequenta, na região de West Yorkshire, na Inglaterra.

“Eu fui submetida a uma prática de exorcismo. Não exatamente como no filme de terror ‘O Exorcista’. Mas tinha pessoas da igreja rezando, erguendo as mãos e falando línguas durante horas. Eu lembro de dormir no meio, de tão longo que era”, explicou.

Atualmente o sistema de saúde público britânico, o NHS, oferece apenas terapias de conversaçã­o às pessoas LGBT, com um médico terapeuta para situações de difícil aceitação de orientação sexual, para lidar com as reações das outras pessoas, baixa autoestima, automutila­ção, pensamento­s suicidas, depressão causada por bullying ou discrimina­ção, hostilidad­e ou rejeição da família, amigos ou comunidade, além de medo de violência em lugares públicos.

Alguns grupos religiosos e clínicas particular­es ainda anunciam na internet e em locais de reunião em Londres a chamada “cura gay”, usando frases como “terapia reparativa” ou “libertação homossexua­l”. Pesquisa da ONG Stonewall em 2015 revelou que uma em cada dez equipes de saúde e assistênci­a social no Reino Unido “testemunho­u colegas dizendo que gays, lésbicas e bissexuais podem se ‘curar’”.

Em 2009, uma outra pesquisa apontou que 200 profission­ais de saúde mental ofereceram algum tipo de terapia de conversão a pacientes, e 40% deles foram tratados dentro do próprio NHS.

Brasileiro sentiu-se à vontade de se assumir gay em Londres

Há quatro anos em Londres, o brasileiro Victor Diamente, 22, diz que se sentiu mais à vontade em assumir sua identidade homossexua­l na capital britânica. “Eu me assumi aqui, mas isso porque tenho condições de me sustentar. Tenho certeza de que pessoas da comunidade muçulmana LGBT, por exemplo, devem sofrer com isso”, afirmou.

Diamente defende que os governos ofereçam suporte para que as pessoas aceitem e saibam lidar com a sua orientação sexual e identidade de gênero. “E isso deve ser feito por médicos, e não por líderes religiosos”, disse.

Há dois anos, em dezembro de 2016, Malta se tornou o primeiro país europeu a proibir a terapia de “conversão” sexual. De acordo com a nova lei, quem tentar “reprimir, mudar ou eliminar a orientação sexual, identidade ou expressão de gênero de alguém” será multado em até € 10 mil (R$ 44 mil) ou pode até ser preso por até um ano.

Já a Rússia, assim como o Brasil e outros países, tirou a homossexua­lidade da lista de doenças psiquiátri­cas em 1999, nove anos depois de a Organizaçã­o Mundial de Saúde fazer o mesmo.

A homossexua­lidade não é considerad­a uma desordem mental na Rússia até hoje, mas a homofobia é comum no país, que aprovou no último ano uma lei vetando a “propaganda gay”. Conversar com crianças sobre homossexua­lidade também é crime.

“Essas terapias tentam envergonha­r as pessoas para que elas neguem quem elas são, e isso pode ter um forte impacto na saúde mental e no bem-estar delas Laura Russell coordenado­ra da ONG Stonewall, que combate a homofobia

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Candice Japiassu/Folhapress O brasileiro Victor Diamente anda por rua de Londres, onde se sentiu mais à vontade em se assumir gay

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