Folha de S.Paulo

‘Novo Cangaço’ deixa cidades do sertão da BA sem dinheiro

Oito décadas após morte de Lampião, bandos armados atacam cidades do sertão

- João Pedro Pitombo

Foiemem dezembro de 1929 que Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, passou pelas cidades de Cansanção e Queimadas, na região nordeste da Bahia, acompanhad­o de outros 15 homens do seu bando.

Na primeira cidade, barbeou-se, perfumou a si a e a seus cavalos e acabou com os estoques do conhaque Macieira de 5 Estrelas, o seu preferido. Na segunda, matou sete policiais, roubou 22 contos de reis e ainda ordenou que fizessem um baile em sua homenagem.

Oito décadas após sua morte, em 28 de julho de 1938, o fantasma de Lampião continua a assombrar Cansanção, Queimadas e outras cidades do Nordeste. Desta vez, por meio de bandos armados que invadem cidades e assaltam bancos, numa modalidade de crime que ficou conhecida como “novo Cangaço”.

Com a destruição de agências bancárias, moradores das pequenas cidades do sertão passaram a enfrentar um problema em comum: a escassez de dinheiro em espécie.

Assim como seus antepassad­os que viram Lampião, moradores de cidades como Can- sanção, Nova Fátima, Nordestina, Araci e São Domingos têm que pegar a estrada e rumar para cidades vizinhas para conseguir sacar dinheiro.

Banco do Brasil, Bradesco e Caixa Econômica Federal não divulgam dados sobre ataques a suas agências. Mas sindicatos de bancários confirmam que parte das agências que foram destruídas estão sendo retomadas sem o serviço de saque. Só na Bahia são 20 cidades nesta situação.

O estado teve 108 ataques a bancos em 2017, segundo a Secretaria da Segurança.

O Banco do Nordeste, único a divulgar dados sobre ataques, teve três agências destruídas nos últimos anos. Duas retomaram as atividades sem o serviço de saque.

Em Nova Fátima, com 10 mil habitantes, a agência do Bradesco foi atacada quatro vezes em cinco anos —a última foi em novembro de 2017. Agora há apenas um caixa eletrônico sem opção de saques.

“Ficamos de mãos atadas. Se precisar de dinheiro para qualquer coisa, tenho que pegar a a estrada”, afirma o aposentado Cosme Maia da Visitação, 83, que costuma gastar R$ 20 com passagens, ida e volta, para se deslocar para a cidade vizinha de Retirolând­ia.

Sem os bancos, a opção para saques na cidade são os correspond­entes bancários. Na prática, lojas disponibil­izam parte dos recursos que arrecadam com as venda para saque, numa operação mediada pelo banco. A oferta de dinheiro, contudo, é limitada.

Todo início de mês, longas filas se formam no maior supermerca­do de Nova Fátima.

“É uma humilhação”, diz o aposentado Manuel Lima Filho, 63, que precisa de dinheiro para pagar diárias de funcionári­os que o ajudam em sua roça, onde cria bodes.

A principal consequênc­ia da falta de dinheiro nos caixas eletrônico­s recai sobre o comércio local, que acaba perdendo os poucos clientes para cidades vizinhas.

“Com o banco aqui na frente já tínhamos pouco movimento, imagine sem ele. Ficamos prejudicad­os”, afirma José Maria Ramos, 74, dono de uma padaria em São Domingos, cidade onde a única agência do Banco do Brasil foi incendiada em março.

Na cidade vizinha de Valente, com 30 mil moradores, o Banco do Brasil está sem o serviço de saque desde fevereiro de 2017, quando teve o seu cofre arrombado por bandidos.

Com a restrição, moradores usam a criativida­de. Dono de uma loja de material de construção, Gêneses Miranda, 35, diz que consegue dinheiro em espécie para seus clientes, que compensam o valor entregue com transferên­cias bancárias.

A cortesia, diz, tem como objetivo fidelizar a clientela e evitar que eles comprem em outros municípios: “Se a pessoa viaja para outra cidade para ir ao banco, sempre acaba comprando alguma coisinha e gastando por lá”, diz.

Os moradores convivem com o medo. “A gente fica apreensivo, né? Eles [bandidos] já chegam atirando”, diz Eunóbio Lopes, 87, vizinho de uma agência atacada no ano passado em Nova Fátima.

O coronel da PM Humberto Sturaro diz que a polícia possui tropas especializ­adas e treinada atuar no sertão. É o caso da Cipe Caatinga, uma espécie de versão moderna das antigas volantes que perseguiam cangaceiro­s.

Sturaro afirma ver semelhança­s entre o antigo e o novo Cangaço: “Eles agem tipo Lampião mesmo. Atacam, escondem áreas isoladas da caatinga. A diferença é que hoje estamos mais preparados para combatê-los”, afirma. A Bahia teve 108 ataques em 2017.

A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) diz que o setor investe cerca de R$ 9 bilhões por ano em segurança e que o número de ataques caiu de 339 em 2016 para 217 no ano seguinte.

Cidade com marcas profundas da passagem de Lampião, Queimadas teve seus bancos destruídos em 2015, mas teve o serviço retomado. Hoje, atrai moradores das vizinhas Cansanção e Nordestina, alvos de ataques recentes.

O aposentado Elias Marques, 67, que foi delegado de na cidade nos anos 1980, lamenta a violência e diz que os bandidos atuais são mais perigosos do que os cangaceiro­s de antigament­e.

Fala embasado no histórico da família. Foi o seu avô, Nonato Marques, a quem coube recolher do dinheiro dos moradores que seria entregue aos cangaceiro­s em 1929. “Lampião era bandido perigoso, mas não tinha a mesma tecnologia, armas e transporte que os bandos de hoje. Sinto que estamos a mercê do crime.”

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Marcio Lima/Folhapress Agências bancária fechada ainda exibe marcas do ataque a caixa eletrônico em São Domingos (BA)
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