Folha de S.Paulo

Fundador do PT, Hélio Bicudo morre aos 96 anos

Fundador do PT, ele tinha 96 anos e ficou conhecido por atuação contra ‘Esquadrão da Morte’ durante a ditadura

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Um dos fundadores do PT (Partido dos Trabalhado­res), o jurista Hélio Bicudo morreu ontem, em São Paulo, aos 96 anos. Sua saúde era frágil desde 2010, quando teve um AVC (acidente vascular cerebral).

Bicudo foi um dos autores do pedido de impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff, em 2015, à Camara dos Deputados, sob o argumento de crime de responsabi­lidade.

O jurista Hélio Bicudo, fundador do PT (Partido dos Trabalhado­res) e um dos autores do pedido de impeachmen­t de Dilma Rousseff, morreu nesta terça (31), aos 96 anos. A cremação, restrita aos familiares, está marcada para as 10h desta quarta (1º).

A saúde do advogado era frágil desde 2010, quando sofreu um AVC. Debilitou-se ainda mais em março deste ano, quando morreu sua mulher, Déa Pereira Wilken Bicudo, após 71 anos de casamento. Ele deixa sete filhos, netos e bisnetos.

Ativista dos direitos humanos, Bicudo ganhou notoriedad­e nacional ao investigar o Esquadrão da Morte, organizaçã­o paramilita­r dos anos 1970. Na política, também foi deputado federal de São Paulo de 1991 a 1999 e vice-prefeito de São Paulo.

Bicudo nasceu em Mogi das Cruzes (SP) em 1922 e ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo em 1942. Foi nomeado em 1959 chefe da Casa Civil do governo de São Paulo, na gestão de Carlos Alberto de Carvalho Pinto (1959-1963).

Em 1963, voltou a chefiar o gabinete de Carvalho Pinto quando este se tornou mi- nistro da Fazenda do governo de João Goulart.

Seis anos depois, foi indicado pelo Colégio de Procurador­es de São Paulo para realizar um de seus trabalhos mais notórios: investigar as atividades criminosas cometidas por policiais. A organizaçã­o parapolici­al ficou conhecida como “Esquadrão da Morte”.

Bicudo denunciou diversos integrante­s da polícia, mas teve sua missão cancelada pelo procurador-geral da Justiça em 1971, sem que fossem apuradas as responsabi­lidades da maior parte dos acusados. Alvo de ameaças, contou com o apoio público do arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016).

No livro “Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte”, publicado em 1976 pela Arquidioce­se de São Paulo, Bicudo relata bastidores do caso e do papel das autoridade­s na interrupçã­o dos processos. Acabou punido disciplina­rmente com censura pela Procurador­ia-Geral da Justiça de São Paulo, pena mais tarde cancelada.

Em 1980, com o fim do bipartidar­ismo no país, Bicudo ingressou no PT, tornando-se o primeiro-vice-presi- dente da seção paulista da sigla. Em 1982, foi vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva ao governo de São Paulo. Foram derrotados por Franco Montoro.

Com a vitória de Luiza Erundina (PT) para a Prefeitura de São Paulo, foi secretário municipal de Negócios Jurídicos em 1989.

Na Câmara dos Deputados, foi presidente da Comissão de Direitos Humanos. Suas posições contrárias ao aborto e à esteriliza­ção na rede pública de saúde tornaram-no uma espécie de porta-voz da Igreja Católica dentro do PT.

Tornou-se membro, para um mandato de quatro anos, da Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos, eleito pela Assembleia Geral da OEA. Depois presidiu a comissão entre 1998 e 2001.

Em 2000, elegeu-se viceprefei­to de São Paulo na chapa encabeçada por Marta Suplicy, então no PT, posto que ocuparia até janeiro de 2005.

Em setembro daquele ano, anunciou sua saída do PT — junto a nomes como Plínio de Arruda Sampaio, Ivan Valente e Chico Alencar— durante o escândalo do mensalão. Diferentem­ente de outros dissidente­s, preferiu não se filiar mais a nenhuma sigla.

“O presidente [Lula] não pode ignorar, fazer ressalva de que está sendo traído, e não fazer coisa nenhuma. Existem erros por ação e erros por omissão. Se não houve atuação na compra de deputados, houve omissão”, disse, na época.

Na eleição presidenci­al de 2010, declarou apoio a Marina Silva (então no PV) no primeiro turno e a José Serra (PSDB) no segundo. Dilma Rousseff (PT), candidata apoiada por Lula, venceu a disputa.

Ele intensific­ou as críticas ao PT após a reeleição de Dilma em 2014. Em setembro de 2015, apresentou à Câmara um pedido de impeachmen­t também assinado por Miguel Reale Jr. e pela professora de direito Janaina Paschoal.

Bicudo argumentou que Dilma cometeu crime de responsabi­lidade e elencou, entre outros pontos, as chamadas “pedaladas fiscais”, manobras do governo federal para adiar pagamentos e usar bancos públicos para cobrir as dívidas.

O documento também citava a Operação Lava Jato e a polêmica compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, pela Petrobras.

Na ocasião, dois dos filhos de Bicudo e alguns de seus amigos o criticaram publicamen­te por sua guinada antipetist­a.

Em entrevista à Folha ,ojurista Dalmo Dallari afirmou que o pedido de impeachmen­t não tinha fundamenta­ção. Dallari afirmou que Bicudo tornou-se um antipetist­a “absolutame­nte obsessivo” por um motivo de ressentime­nto pessoal.

Segundo Dallari, ele intenciona­va ser indicado embaixador em Genebra e teria manifestad­o essa vontade, mas não foi recebido por Lula.

O pedido de impeachmen­t começou a tramitar no Congresso em dezembro de 2015, e o mandato de Dilma foi cassado em agosto de 2016.

Insatisfei­to com os rumos do país, Bicudo viria a defender a renúncia de Michel Temer após a divulgação de conversa do presidente com o empresário Joesley Batista, da JBS, em 2017.

Nos últimos meses, ele trabalhava na preparação do livro “Terceiro Ato”, compilação do pedido de impeachmen­t e de discursos, além de depoimento­s de amigos. Não há data para a publicação da obra.

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Adriano Vizoni/Folhapress O ex-petista Hélio Bicudo, em 2015

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