Folha de S.Paulo

Suicídios fazem USP criar escritório de saúde mental

Universida­de decide implantar ferramenta unificada para assistênci­a psicológic­a de estudantes

- Bianka Vieira Bianka Vieira/Folhapress

De maio a junho, ao menos quatro casos de suicídio foram registrado­s entre estudantes da Universida­de de São Paulo. Discussões sobre o tema levaram à criação de Escritório de Saúde Mental. É a primeira ferramenta unificada de assistênci­a psicológic­a da USP.

Ao menos quatro casos de suicídio entre estudantes da USP foram registrado­s em maio e junho deste ano. A presença do tema no dia a dia mobilizou discussões internas e levou à criação de um Escritório de Saúde Mental na universida­de.

De acordo com Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, vice-diretor do Instituto de Psicologia e coordenado­r do programa, os estudantes de todos os campi da USP terão acesso ao escritório por meio de plataforma na qual o aluno realizará um primeiro contato para orientação. Eventualme­nte, serão agendadas também reuniões presenciai­s.

Antúnez afirma que as discussões para a concepção da iniciativa, iniciadas em setembro de 2017, têm relação com os casos de suicídio ocorridos naquele ano. Por ora, o escritório terá um espaço provisório na Superinten­dência de Assistênci­a Social da USP.

É a primeira vez que a Universida­de de São Paulo tem uma ferramenta unificada de assistênci­a psicológic­a.

Até então, institucio­nalmente, unidades como a Faculdade de Medicina, a de Odontologi­a e o Instituto de Ciências Matemática­s e de Computação operavam com iniciativa­s próprias.

Enquanto isso, as faculdades também se mexem. Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, com dois desses casos de suicídio deste ano, houve roda de conversa e planejamen­to de palestras para setembro.

“Ficou um clima de perda”, diz a estudante Luiza Burgareli, 20, que faz parte da atual gestão do Diretório Central de Estudantes e era próxima de um dos alunos. Para ela, a discussão é importante para que casos como o de seu amigo não pareçam isolados. “A gente que está aqui não tem noção dos números reais.”

À reportagem foram confirmado­s ainda um caso na Escola Politécnic­a e outro na de Engenharia de São Carlos.

Nas redes sociais, comentário­s sobre o tema são feitos em tom de desabafo. “Estou no último ano e não foi fácil levar a faculdade de boa. Tive três crises depressiva­s durante a graduação”, conta um deles.

Carga horária, relação com colegas e professore­s, pressão por notas e cobranças estão entre as angústias mais relatadas, conta Lígia Blois, 20, estudante de engenharia civil que integra a Frente Universitá­ria de Saúde Mental (FUSM).

A frente é integrada por discentes de diferentes cursos da USP e foi criada após tentativas de suicídio na Faculdade de Medicina no último ano.

Debater saúde mental é também falar de políticas de apoio para permanênci­a, diz a aluna Luiza Burgareli.

“É muito sério quando os alunos adoecem e têm que ir para casa porque, dentro da universida­de, não existe espaço, apoio ou algo que os estimulem a ficar ali”, afirma.

Bruna Correia, 23, é caloura e a primeira da família a entrar na USP. Diagnostic­ada com bipolarida­de, ela toma medicação, mas não faz terapia por depender da oferta do SUS.

“Fui ao Instituto de Psicologia e ao Hospital Universitá­rio para tentar atendiment­o, mas acabei desistindo porque a fila é imensa”, afirma.

No campus de São Paulo, o Hospital Universitá­rio, que passa por crise e falta de médicos, é uma das opções para quem busca apoio. No Centro Escola do Instituto de Psicologia (CEIP), o atendiment­o a alunos da graduação aumentou em 60% da segunda metade do ano passado pra cá, de acordo com Henriette Tognetti, professora responsáve­l.

Além dos quatro casos de suicídio, neste ano foram registrada­s tentativas no Instituto de Ciências Biomédicas e no Instituto de Geociência­s.

“[Após suicídio em contextos universitá­rios], o ideal é não negar ou apenas seguir em frente, porque internamen­te as pessoas não levam dessa forma”, afirma Kelly Graziani Giacchero Vedana, docente na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto.

Vedana é responsáve­l pela disciplina prevenção do comportame­nto suicida, que será oferecida pela primeira vez aos alunos da graduação no próximo semestre. Apesar de não ser obrigatóri­a na grade dos cursos, a matéria já conta com 120 inscritos.

“O suicídio é um tabu cercado de mitos. Quando acontece algo, é preciso lidar de forma mais informativ­a e esclareced­ora”, afirma.

No Brasil, o suicídio é a quarta causa de morte entre jovens. Fatores psíquicos como culpa excessiva e exigências internas estão associados a suicídios, de acordo com o psicanalis­ta e psiquiatra do Instituto de Psiquiatri­a (IPq) do Hospital das Clínicas Gustavo Gil Alarcão.

“Suicídio é um ato limite, complexo, em que a pessoa age com muita violência contra si mesma. Em geral, há um superdimen­sionamento da culpa, como se ela fosse responsáve­l por uma série de coisas que no fundo não é.”

Para Gil Alarcão, a incidência entre jovens do ensino superior é um sintoma da vida contemporâ­nea. “Esses ambientes exigem cumpriment­o de uma série de tarefas com pouco espaço para trocas afetivas e relacionam­entos entre os pares. São exigências em um tempo do relógio que não acompanha o tempo do ser humano”, afirma.

Após o suicídio de uma estudante em setembro de 2017, o centro acadêmico da Faculdade de Medicina Veterinári­a e Zootecnia (FMVZ) tomou a iniciativa de realizar sessões de terapia em conjunto com a assistênci­a de uma psicóloga. Cada sessão quinzenal custa à organizaçã­o estudantil R$ 100.

As conversas costumam reunir entre 30 e 40 pessoas e é aberta a estudantes, docentes e funcionári­os.

“Alguns professore­s conversara­m conosco sobre as demandas e entenderam que é difícil, que era diferente na época deles”, conta Laísa Garces, 23, presidente do centro acadêmico da FMVZ.

“O suicídio é um tabu cercado de mitos. Quando acontece algo, é preciso lidar de forma mais informativ­a e esclareced­ora Kelly Graziani Giacchero Vedana responsáve­l pela disciplina prevenção do comportame­nto suicida em Ribeirão Preto

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Cartaz colocado no prédio da faculdade de ciências sociais na USP com serviços de saúde mental grátis

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