Mesmo com seca, Cantareira tem água para mais de 1 ano
Mesmo com forte seca, principal reservatório da Grande SP tem hoje série de alternativas para escapar de nova crise
Mesmo sob risco de entrar em alerta devido à falta de chuvas na Grande SP, o sistema Cantareira tem fôlego para manter o abastecimento até outubro do ano que vem. Os motivos são a redução de consumo da população e obras que mudam a lógica da distribuição de água.
Com a escassez de chuvas nos últimos meses, o sistema Cantareira deve entrar no mês de agosto com 39% de sua capacidade, o que o colocaria em estado de alerta. Ainda assim, segundo projeções feitas pela Folha, o maior reservatório de água da Grande São Paulo possui fôlego suficiente para manter seu abastecimento até outubro de 2019, isso sem recorrer ao volume morto, que é a porção de água que fica abaixo dos túneis de captação das represas do sistema.
A projeção feita pela reportagem reproduz um cenário bastante pessimista: se tivermos pela frente uma estiagem semelhante à enfrentada pelo Cantareira a partir de agosto de 2013 e que culminou com a grave crise hídrica nos dois anos seguintes. Mesmo diante desse cenário, o Cantareira teria essa sobrevida de mais de um ano, mesmo que não sejam ampliadas as medidas de economia de água.
Em outra simulação feita pela Folha, projetou-se a mesma entrada de água no Cantareira dos últimos 12 meses. Nessa hipótese mais branda do que a primeira projeção, o reservatório chegaria ao final de 2019 com cerca de 23% de sua capacidade, sem entrar no volume morto.
No período pré-crise, a captação de água no reservatório se manteve alta até fevereiro de 2014, quando a situação já deixava torneiras secas por São Paulo, e a Sabesp teve de reduzir aos poucos a quantidade de água retirada do Cantareira. Agora, porém, o cenário mudou muito, graças à redução de consumo da população e também às obras que conferiram uma nova lógica de distribuição de abastecimento de água.
Além da redução do consumo, a Sabesp consegue hoje flexibilizar mais a distribuição de água. Antes da crise, quase todo o bairro da Grande SP era abastecido apenas por um manancial.
Dos 72 mil litros distribuídos por segundo, só 3.000 litros (4%) poderiam ser flexíveis —ou seja, deixar de atender o bairro original e abastecer uma outra região. Hoje, após pequenas obras no sistema de distribuição, esse índice subiu para 12 mil litros de água por segundo, dos 60 mil litros distribuídos (20%).
Isso significa que, se a Sabesp achar que o Cantareira está com nível muito baixo, pode poupá-lo, enviando água de outros reservatórios para os bairros originalmente atendidos por ele.
“Logicamente, o nível [do Cantareira] e a condição climática assustam. Está muito vivo ainda na memória o que a gente vivenciou [com a última crise hídrica]”, disse à Folha Marco Antonio Lopes Barros, superintendente da Sabesp. “Mas temos a tranquilidade para mostrar que a nossa operação não tem prognóstico de mudanças”.
Abaixo, perguntas e respostas elaboradas pela Folha para entender o atual estado do abastecimento de água em SP.
A cidade de São Paulo está próxima de uma nova crise hídrica?
São Paulo tem uma relação delicada com o abastecimento de água. A margem entre a disponibilidade de água e o consumo da metrópole é muito estreita, há décadas. Mas atualmente não há indícios no horizonte de uma nova crise, aos moldes da que atormentou o estado de São Paulo de 2014 a 2016.
Comparar o volume atual das represas com o período pré-crise é um bom ‘termômetro’?
Não, porque basicamente a capacidade de gerenciar o abastecimento de água mudou muito. Além disso, a região metropolitana reduziu o consumo de água.
O nível de reservação do Cantareira está baixo?
Sim. Com 39,7% de sua capacidade, o reservatório está mais baixo do que há cinco anos, às vésperas da crise. Mas a queda dos reservatórios no meio do ano é natural e esperada. O problema é quando os reservatórios não enchem em épocas de chuva, de outubro a março.
A partir de uma projeção pessimista de chuvas, a Folha calculou a sobrevida do Cantareira até outubro de 2019. Isso significa que faltaria água depois desse mês?
Não necessariamente. Até lá o quadro de chuvas pode mudar. Além disso, esse cálculo não considera que a Sabesp ou a região de Campinas reduzam voluntariamente ainda mais a retirada de água do reservatório.
Diante da piora do índice do Cantareira, por exemplo, a Sabesp deve voltar a utilizar ferramentas que usou na última crise. Uma delas é aumentar a abrangência de outros reservatórios sobre a cidade. Outra medida, mais polêmica, é um racionamento, ao reduzir a pressão com que a água é empurrada pelos canos da cidade para minimizar perdas nos vazamentos das tubulações. O efeito colateral dessa estratégia é falta de água nas torneiras, principalmente na periferia e em lugares altos.
Quais são as regras para retirada de água do sistema Cantareira?
O Cantareira abastece parte da Grande São Paulo e da região de Campinas e, após a última crise, foi feita uma nova regra de partilha da água. Para a Grande SP, a retirada de água ficou limitada em 33 mil litros de água por segundo. Ao final de cada mês, é verificado o nível. Se estiver abaixo de 60%, o limite de captação de água cai para 31 mil l/seg. Se o nível ficar abaixo dos 40%, a captação fica limitada a 27 mil l/ seg (quadro atual). Com índice abaixo de 30%, 23 mil l/ seg. Abaixo de 20%, o limite vai para 15,5 mil l/seg.
O que mudou na disponibilidade de água desde a última crise?
O grande ganho na disponibilidade de água foi a interligação do rio Paraíba do Sul (que ajuda a abastecer o RJ) com o Cantareira, que pode transferir para São Paulo 5,13 mil litros de água por segundo. Além disso, a Sabesp conseguiu viabilizar pela primeira vez a exploração do volume morto do Cantareira, tendo acesso a mais 287 bilhões de litros de água.
Recentemente, foi inaugurado ainda o sistema São Lourenço, que poderá tratar 6,4 mil litros por segundo. Além disso, uma conexão entre o Rio Grande e Alto Tietê evita que a água do primeiro seja jogada fora quando enche.
Em 2014, houve críticas de que o Cantareira estava sendo explorado acima de sua capacidade. Como tem sido essa lógica neste ano?
Mensalmente, tem sido retirado do Cantareira de 16% a 28% menos água do que o limite estipulado para o abastecimento da Grande São Paulo. Segundo a Sabesp, isso significaria uma economia em volume de água equivalente a 25% da capacidade do Cantareira.
No período úmido, a região de Campinas requisitou em média 2,8 mil litros por segundo. Desde abril, foi requisitado mês após mês mais água: 6 mil litros por segundo, 6,5 mil litros por segundo, 8 mil litros por segundo e 8,5 mil litros por segundo. A tendência é que a região de Campinas aumente para 9,5 mil litros por segundo a partir de agosto. Esse valor, porém, ainda está abaixo do teto previsto que é 10 mil litros por segundo.
Esperar por chuvas é a única solução para melhorar o abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo?
Não. Uma alternativa é reduzir o volume de água perdido no caminho entre a represa e a casa das pessoas. Essa perda é atualmente de 30,7% no estado de São Paulo. A Sabesp tem um programa voltado para a diminuição das perdas, mas os índices não avançam na velocidade que seria adequada.
Outra fonte de água são as estações de tratamento de esgoto. Se forem adaptadas, elas conseguem tratar o esgoto a um nível tão rigoroso que poderiam gerar água pura. Para isso, além de investimentos, é preciso aumentar a aceitação da água de reúso pelo mercado e pelos consumidores e derrubar entraves que impedem o seu uso, como a falta de regulação adequada.