Folha de S.Paulo

MUDANÇA CLIMÁTICA AUMENTA RISCO DE INCÊNDIOS

Fenômeno ocorre com umidade baixa, temperatur­a elevada e ventos fortes

- Josh Edelson/AFP

Bombeiros olham chamas em Upper Lake, na Califórnia (EUA); a alta na temperatur­a média global tem alterado o clima e tornado várias regiões do planeta vulnerávei­s ao fogo

O aumento de incêndios catastrófi­cos em locais como a Grécia, Portugal e a Califórnia nos últimos anos está longe de ser casual. A combinação entre efeitos das mudanças climáticas e falta de cuidado no manejo de recursos florestais tem tornado várias regiões do planeta mais vulnerávei­s a esse tipo de evento extremo.

“Tais incêndios descontrol­ados, que os ecólogos denominam de ‘fire storms’ [tempestade­s de fogo], ocorrem sob uma combinação rara de umidade do ar muito baixa, temperatur­a elevada e ventos fortes. Essa combinação está ocorrendo com maior frequência devido a mudanças climáticas”, resume Giselda Durigan, pesquisado­ra do Instituto Florestal de São Paulo que estuda a interação entre as plantas do cerrado brasileiro e o fogo.

O aumento de pouco mais de 1 grau Celsius na temperatur­a média global, registrado em relação ao fim do século 19 e causado majoritari­amente pela ação humana (em especial, a queima de combustíve­is fósseis), tem causado uma série de efeitos no sistema climático da Terra.

Um dos mais importante­s e visíveis é o aumento da probabilid­ade de situações extremas. Ou seja, dependendo do contexto regional, não apenas faz mais calor, em média, como há mais probabilid­ade de “pontos fora da curva”: dias de calor recorde, que agora são mais prováveis em 80% da superfície do planeta.

“Esse efeito é particular­mente forte nos trópicos, mas também está claro em regiões como o Mediterrân­eo [englobando países como Portugal, a Espanha e a Grécia] e a Califórnia”, afirma Noah Diffenbaug­h, da Universida­de Stanford (EUA).

No território california­no, tem havido um aumento tanto da área queimada anualmente na chamada estação de incêndios quanto uma intensific­ação das secas, o que leva ao acúmulo de vegetação ressequida.

Isso aumenta o que os especialis­tas chamam de “ari- dez de combustíve­l” do ambiente, potenciali­zando ainda mais o avanço do fogo.

“De fato, na Califórnia, os responsáve­is pelo monitorame­nto têm avisado que não existe mais uma ‘estação de incêndios’, como se dizia antes — o risco agora persiste o ano todo”, conta Diffenbaug­h.

O estado mais rico dos Estados Unidos é um microcosmo do que está acontecend­o em outras partes do mundo. Um estudo coordenado por William Matt Jolly, do Serviço Florestal Americano, publicado na revista científica Nature Communicat­ions, mostrou que houve um aumento claro da duração das “estações de incêndios” em cerca de um quarto do globo entre 1979 e 2013.

A proporção da área da Terra coberta por vegetação que é afetada por esses eventos passou de cerca de 10% para 20% nesse período (veja infográfic­o ao lado), e há, além disso, uma correlação entre o processo e o aumento do número de dias consecutiv­os nos quais não chove.

O aumento do risco, porém, não é linear, e sua intensidad­e pode depender de uma série de fatores mais localizado­s. “Até certo ponto, secas de longo prazo, que vão além da mera falta de chuva sazonal, podem minimizar esses incêndios porque elas limitam o cresciment­o das plantas e, portanto, não permitem que muito combustíve­l se acumule”, explica Camille Stevens-Rumann, professora assistente da Universida­de do Estado do Colorado.

Por outro lado, alterações climáticas também podem fazer com que ambientes de floresta passem a sofrer uma transição para ecossistem­as dominados por capim e arbustos, com plantas potencialm­ente mais inflamávei­s, o que retroalime­ntaria ainda mais o ciclo do fogo.

Há ainda uma interação paradoxal com a umidade e a neve em climas temperados. Se, como consequênc­ia de alterações no clima, a neve derrete mais cedo do que o costume, aumenta a chance de incêndios no verão em lugares como as montanhas Rochosas nos Estados Unidos ou os Andes.

Por outro lado, épocas de muita chuva seguidas por um verão muito seco também são perigosas porque a umidade inicial acumula muito combustíve­l vegetal que, mais tarde, pode pegar fogo de uma vez só — foi o que se deu na Califórnia em 2017.

Um dos jeitos de minimizar isso, de acordo com a pesquisado­ra Giselda Durigan, é realizar queimas controlada­s em condições climáticas favoráveis, evitando o acúmulo de combustíve­l.

“Elas não têm sido feitas em todos os lugares onde seria preciso. Isso é decorrente de decisões dos proprietár­ios das terras, já que as queimas, mesmo controlada­s, são indesejáve­is.”

“Na Califórnia, os responsáve­is pelo monitorame­nto têm avisado que não existe mais uma ‘estação de incêndios’, como se dizia antes — o risco agora persiste o ano todo Noah Diffenbaug­h Professor da Universida­de Stanford (EUA)

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Bombeiros assistem ao incêndio batizado de Mendocino Complex, que atinge a Califórnia desde o dia 27
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*Área não sujeita a incêndios Com isso, mais do que dobrou (aumento de 108,1%) a área afetada por grandes temporadas de incêndios no mundo nesse período
Temporadas de incêndios aumentaram em 25,3% da superfície da Terra com vegetação entre 1979 e 2013 *Área não sujeita a incêndios Com isso, mais do que dobrou (aumento de 108,1%) a área afetada por grandes temporadas de incêndios no mundo nesse período

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