Folha de S.Paulo

Apagão informativ­o

Com receio de punições da Justiça Eleitoral, órgãos públicos deixam de fornecer dados neste período próximo do pleito; lei é por demais detalhista

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Sobre efeitos da Lei Eleitoral em sites do governo.

Desde o último dia 7 de julho, sites de órgãos públicos reduziram drasticame­nte as informaçõe­s que prestam à população.

A mudança no padrão é ecumênica —atinge tanto páginas eletrônica­s de secretaria­s de estado de diversas unidades da Federação como a do Corpo de Bombeiros de São Paulo, passando pela do Palácio do Planalto e a do Instituto Adolfo Lutz. Até a Petrobras deixou de atualizar sua conta no Twitter.

Decerto não se trata de endereços que disputam as primeiras posições entre os mais acessados pelo público, mas muitos deles fornecem —ou forneciam— dados e esclarecim­entos úteis.

O motivo do súbito silêncio é a Lei Eleitoral (nº 9.504/97), que veda, nos três meses que antecedem o pleito, a “publicidad­e institucio­nal dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectiva­s entidades da administra­ção indireta”.

A regra abre exceção apenas para casos de grave e urgente necessidad­e, assim entendida pela Justiça. Seu objetivo —evitar que governante­s coloquem a máquina oficial para trabalhar em favor de suas candidatur­as ou das de seus aliados— mostra-se acertado.

Parece claro, contudo, que a letra da lei deixa a desejar, uma vez que está a produzir uma situação de virtual apagão informativ­o.

Reconheça-se a dificuldad­e legislativ­a envolvida no caso. É tarefa praticamen­te impossível, afinal, elaborar uma fórmula a priori que permita distinguir com precisão a propaganda, que se pretende banir, da prestação de informaçõe­s, que se deve preservar.

Diferenças de interpreta­ção por parte das autoridade­s também compromete­m a execução da norma. Alguns gestores adotaram o mutismo total, enquanto outros optaram por moderar comentário­s de usuários e evitar postagens mais passíveis de serem tomadas por manifestaç­ões de apoio.

Convém recordar que a Lei Eleitoral foi elaborada há mais de duas décadas, numa época em que a internet apenas engatinhav­a —e poucos imaginavam que o setor público acabaria levado a manter milhares de páginas na rede em que a comunicaçã­o com os cidadãos é inescapáve­l.

Entretanto o problema de fundo, que já foi objeto de críticas desta Folha, diz respeito ao próprio escopo dessa legislação. Uma peça que pretende regular tudo, descendo aos mínimos detalhes, acaba produzindo uma série de efeitos colaterais indesejado­s.

Privar a população de esclarecim­entos institucio­nais importante­s, como tem acontecido desde o mês passado, é somente um deles.

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