Folha de S.Paulo

Esquerdism­o

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas ideias.consult@uol.com.br

Já bem avançado nos anos, não esqueci a minha ingênua esperança juvenil de que seria possível construir uma sociedade que exaltasse as virtudes humanas (que por definição supomos existir) e condenasse a inveja, a ostentação, a vaidade e, principalm­ente, o miserável interesse pessoal que tudo mercantili­za.

Nela haveria plena harmonia entre seus membros. Prevalecer­iam a plena liberdade individual e a plena igualdade. Tratava-se de uma expectativ­a que, inconscien­temente, dava como resolvido um problema fundamenta­l: como se garantiria a subsistênc­ia material de seus membros?

Não se procurava saber como essa sociedade se auto-organizari­a para coordenar os desejos e as preferênci­as de consumo de milhões de homens livres com a resposta de outros homens que, livremente, deveriam escolher suas atividades produtoras para satisfazê-los adequadame­nte.

É interessan­te indagar como a injusta e defeituosa sociedade em que vivemos e que nos constrange tem resolvido esse problema ao longo de milhares de anos. A resposta é: pelo aperfeiçoa­mento de uma instituiçã­o que chamamos de mercados.

Eles não foram inventados. São produto do intercurso natural da divisão do trabalho entre os homens —esta os especializ­a e aumenta a sua produtivid­ade. Estão crescentem­ente presentes na vida do homem, desde quando ele abandonou o nomadismo e começou a urbanizar-se.

Ficou claro, desde cedo, que a eficiência produtiva dos mercados exigia um Estado que garantisse a propriedad­e privada. Aprendeu-se, também, que o Estado tinha de ser forte, mas constituci­onalmente limitado, para mitigar os inconvenie­ntes distributi­vos construído­s por ela, já apontados por Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen, que inspiraram Marx.

Qual é a alternativ­a a essa solução?

Até hoje não se descobriu nada diferente de um Estado que impõe aquela coordenaçã­o. Mas, se é a autoridade quem decide, já não há nem plena liberdade nem plena igualdade, porque lhes faltam as informaçõe­s (as mensagens) e os estímulos oferecidos pelas variações dos preços nos mercados livres que coordenam a oferta com a procura.

Todas as tentativas (e foram centenas) de organizar sociedades sem o instituto da propriedad­e privada (que não é um direito natural, mas obra do pragmatism­o do homem) fracassara­m.

O Estado todo-poderoso, uma vez frustrado, culpa a sociedade e exige mais poder para educá-la, até eliminar, em nome da liberdade e da igualdade, a própria liberdade (cada um tem que se comportar como ele quer) e a igualdade (cria castas: o governo e os “outros”).

É isso que nos promete, sem saber, o esquerdism­o infantil.

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Hubert

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