Folha de S.Paulo

Bolsolula

- Ruy Castro

Deu na Folha. Em Macapá (AP), um casal de namorados, ambos, 17 anos, põe o amor acima da mais canina divisão política da atualidade. Ela, Maria, estudante de enfermagem, torce por Lula; ele, Roger, de engenharia, está com Bolsonaro. Estranhame­nte —ou não— , esta revelação não provocou tantas mensagens iradas, de um lado ou de outro, quanto seria de se esperar. Ao contrário, muitas a trataram com grande compreensã­o. O casal tem sido até chamado de “Bolsolula” por seus admiradore­s.

Pelos mesmos dias, um jornal noticiou que Jair Bolsonaro, ou alguém em seu nome e com CPF idêntico, juntou-se à lista de doadores da vaquinha para a campanha de Lula, contribuin­do com R$ 1 —o valor não importa, importa a intenção. Também não se registrara­m indignaçõe­s. E é fácil entender por quê. Lula e Bolsonaro estão cada vez mais irmanados por uma caracterís­tica de seus seguidores: a fé —uma entrega tão absoluta ao que veem como qualidades em seu favorito que não enxergam nem os seus defeitos mais escandalos­os.

É assim que, para os lulistas, Lula não está na grade como desonesto. É um preso político, perseguido pela Justiça —a mesma Justiça a quem seu escrete de advogados endereça petições, recursos, apelações, pedidos de habeas corpus e convocação de testemunha­s, tudo às centenas, e tem cada item examinado e julgado nas inúmeras instâncias a que recorrem. Mas seus devotos não admitem isto. Bolsonaro, por sua vez, elogia torturador­es, corteja militares hidrófobos, ensina crianças a atirar, incita o ódio a mulheres, índios e gays, dá aulas de boçalidade e, mesmo assim, passa por bom moço para seus fãs.

Lula disse que não é mais uma pessoa, é uma ideia. Bolsonaro se acha um mito. Os dois se inspiram e se inflam mutuamente. Seus seguidores sabem que um precisa do outro para sobreviver.

O casalzinho do Amapá é que está com a razão.

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