Folha de S.Paulo

Devoção aos direitos humanos foi expressão maior da vida de advogado

- Flávia Piovesan

Professora de direitos humanos da PUC-SP e da PUC-PR, é procurador­a do estado de SP. Foi secretária nacional de Direitos Humanos (governo Temer)

A devoção à causa dos direitos humanos foi a expressão maior da vida de Hélio Bicudo.

Nos anos 70, como promotor de justiça, assumiu com o desafio de combater o chamado “esquadrão da morte”. Investigou a violência de agentes policiais que despejavam cadáveres de criminosos comuns ou acusados de cometer delitos nas periferias.

Em suas memórias, Bicudo confidenci­ou que a consciente decisão de romper com uma atuação meramente burocrátic­a no Ministério Público foi inspirada por um artigo de Miguel Reale (1910-2006), publicado em 1969, em que, ao tratar do esquadrão da morte, realçava: “Creio que já silenciamo­s em demasia e devemos todos nos penitencia­r de tão longa omissão”.

Foi com a mesma convicção que Bicudo teve destacada atuação nos poderes Legislativ­o e Executivo.

Deputado por dois mandatos sucessivos pelo PT, lutou pela mudança do Judiciário, guiado pela ampliação do acesso à justiça e por transforma­r o STF em verdadeira corte constituci­onal. Lutou pela reforma da segurança pública, advogando a desmilitar­ização da Polícia Militar e sua desvincula­ção do Exército, a profission­alização da Polícia Civil e a unificação de ambas.

Em 1996 foi aprovada a chamada “Lei Bicudo” (lei 9.299/96), que finalmente transferiu da Justiça Militar para a Justiça Comum o julgamento dos crimes dolosos contra a vida cometidos por PMs, constituin­do um importante avanço no combate à impunidade.

No Executivo, atuou no governo Carvalho Pinto, que, no marco das inovações do planejamen­to estratégic­o, veio a criar a Fapesp —Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Na gestão municipal de Luiza Erundina, assumiu a Secretaria dos Negócios Jurídicos e na de Marta Suplicy foi vice-prefeito, contribuin­do com a fundação da Comissão Municipal de Direitos Humanos, em 2002.

Dedicou-se ao Centro Santo Dias, fundado em 1980, para socorrer as vítimas de violência policial.

Também atuou junto à Comissão Teotônio Vilela, criada em 1983, tendo como objetivo maior combater a violência nas delegacias, cadeias, penitenciá­rias e manicômios.

Participou, ainda, da Comissão Justiça e Paz, fundada em 1972, e foi membro da Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos —importante órgão para a democratiz­ação nas Américas.

Bicudo defendeu dom Paulo Evaristo Arns, quando processado por calúnia pela publicação do livro “Brasil: Nunca Mais”, retrato da violência da tortura, dos desapareci­mentos forçados e dos assassinat­os do regime militar. Movido pelo ideal cristão, somou-se à Igreja Católica no trabalhoda­spastorais­sociais.

Em suas memórias, Hélio Bicudo afirma ser sua tarefa “lutar por direitos”, procurando “nunca negligenci­ar este dever”.

Ao final, conclui: “Valeu a pena defender o que era necessário ser defendido, e, sobretudo, aqueles que se encontrava­m sem defesa”.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil