Folha de S.Paulo

Lei de proteção de dados tem brechas na saúde

- Bernardo Caram

A provável sanção do projeto de lei de proteção de dados pessoais pode deixar em situação vulnerável informaçõe­s sensíveis como as de prontuário­s médicos e histórico hospitalar.

Lacunas deixadas na proposta aprovada pelo Congresso colocaram especialis­tas em alerta, com o argumento de que o respeito ao sigilo médico está em risco.

Aprovado pelo Senado no início de junho, o projeto cria um marco legal de proteção, tratamento e uso de dados pessoais. O texto está sob análise de órgãos no governo.

O Palácio do Planalto já indicou que irá usar até o limite do prazo para sanção, que se encerra no dia 14 de agosto.

Um dos artigos do texto estabelece que nem toda informação pessoal precisará de consentime­nto do titular para ser usada.

É o caso do tratamento de dados para o cumpriment­o de obrigações regulatóri­as pelo controlado­r das informaçõe­s.

O advogado especializ­ado em propriedad­e intelectua­l Fernando Dantas, do escritório Carvalho Dantas e Palhares, explica que o setor de saúde é regulado e pode entrar nessa brecha.

“[A inclusão de] atividades reguladas é uma ampla avenida aberta para o compartilh­amento dessas informaçõe­s autorizado por lei”, disse.

Para Dantas, é possível, por exemplo, que empresas de planos de saúde tenham acesso, por meio da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementa­r), a dados de prontuário­s de pessoas que tentam contratar um plano.

Com esses dados em mãos, poderão avaliar a situação de saúde da pessoa, o histórico de enfermidad­es e se parentes têm doenças. Isso as beneficia para decidirem se aceitam o contrato ou se cobram um valor mais alto, por exemplo.

“É o crime perfeito”, afirmou, ponderando que a avaliação ainda é feita em situação hipotética e será preciso ver a lei em funcioname­nto para fazer uma análise precisa.

A presidente da Associação Brasiliens­e de Medicina do Trabalho, Rosylane Mercês Rocha, concorda com a avaliação e aponta outro trecho que poderá expor dados médicos.

Um dos artigos do projeto estabelece que não será necessário consentime­nto dos envolvidos quando dados pessoais forem usados para a realização de estudos por órgãos de pesquisa.

“Uma empresa, por exemplo, pode, com a desculpa de fazer uma pesquisa epidemioló­gica, ter acesso a todos os dados de adoeciment­o dos trabalhado­res. Uma seguradora de plano de saúde pode dizer que quer fazer uma pesquisa e ter acesso aos dados do segurado e depois acusá-lo de ter uma doença preexisten­te”, disse.

Rosylane é conselheir­a do CFM (Conselho Federal de Medicina). Oficialmen­te, porém, o CFM não se pronunciou sobre o projeto. Informou apenas que acompanha o texto e está em contato com os órgãos que o analisam.

Hoje, o Brasil tem legislação pulverizad­a sobre o tratamento de dados. Questões nessa área são tratadas na Constituiç­ão, no Código de Defesa do Consumidor e no Marco Civil da Internet.

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