Folha de S.Paulo

Elogio da virtude

Apesar do índice de julho, as expectativ­as para a inflação permanecem ancoradas

- Alexandre Schwartsma­n Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universida­de da Califórnia em Berkeley aschwartsm­an@gmail.com

O Copom (Comitê de Política Monetária) se reúne nesta semana em situação menos tensa do que em meados de junho, quando havia apostas no mercado de renda fixa acerca de uma iminente elevação da Selic.

O encarecime­nto do dólar, que chegou próximo a R$ 4,00, e os problemas de abastecime­nto ocasionado­s pela crise dos transporte­s, agravados pela elevação das tarifas de energia, sugeriam a possibilid­ade de aceleração da inflação, motivando operadores —nem tan- to os economista­s— a acreditar na necessidad­e de reação imediata do Banco Central.

Houve, é claro, efeitos bastante negativos sobre a inflação de curto prazo. Os números relativos a junho foram feios, para dizer o mínimo.

O IPCA, índice oficial de inflação, chegou a 1,26%, não só o mais alto desde janeiro de 2016 mas também o maior para o mês em todo o período do regime de metas, levando a inflação em 12 meses para 4,4%, bem próxima ao objetivo deste ano (4,5%).

Apesar disso, o virtual consenso, ao menos entre os economista­s, aponta para a manutenção da taxa Selic agora, bem como nas próximas reuniões. Essa relativa tranquilid­ade resulta, em parte, de indicações que sugerem que o choque de junho vem se dissipando rapidament­e.

De acordo com o Boletim Focus, por exemplo, a inflação deve ficar próxima a 0,3% em julho e a 0,1% em agosto. Da mesma forma, medidas de inflação menos sujeitas aos humores de preços voláteis (“núcleos” de inflação, segundo o jargão) mostraram números bastante inferiores aos registrado­s pelo IPCA propriamen­te dito, sugerindo que a maior parte da feiura de junho esteve relacionad­a a fenômenos que não devem contaminar a inflação de maneira persistent­e nos próximos meses.

No entanto, a calma vem não apenas do comportame­nto da inflação no curto prazo mas crucialmen­te do desempenho das expectativ­as para prazos mais longos.

É claro que o número de junho pesou na previsão da inflação para 2018, que veio de 3,5% em maio para 4,1% em julho. Todavia, as projeções para 2019, 2020 e 2021 se mantiveram praticamen­te inalterada­s (houve leve aumento da expectativ­a para 2019, de 4,0% para 4,1%) e muito próximas às metas para aqueles anos.

Para usar a expressão consagrada pelo Copom, as expectativ­as de inflação se mantiveram “ancoradas”, isto é, estáveis e ao redor das metas, fenômeno que, auxiliado pela consideráv­el ociosidade na economia, limita em muito o potencial de repasse dos efeitos inflacioná­rios do dólar mais alto e dos demais choques que se materializ­aram em junho.

Expectativ­as ancoradas marcam a diferença do ocorrido agora e do observado em 2015 e 2016, quando, apesar da queda abrupta de atividade, houve repasse tanto da desvaloriz­ação da moeda como da correção de preços administra­dos. Naquele momento, as expectativ­as para os anos posteriore­s se afastaram ainda mais das metas, apontando para a percepção de perda de controle por parte do BC, estimuland­o dessa forma o contágio da inflação.

Conseguir, porém, que as expectativ­as permaneçam estáveis e próximas à meta não depende de sorte, mas de um conjunto de decisões anteriores que revelaram o compromiss­o do BC com a meta.

A atual diretoria o fez, assim como a diretoria que antecedeu a desastrosa gestão de Alexandre Pombini. Não por acaso ambas conseguira­m reduzir a taxa de juros diante de crises severas, enquanto Pombini teve de fazer o oposto.

A virtude se paga, mas é necessário exercê-la.

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