Folha de S.Paulo

O virtual que salta aos olhos

Festival Anima Mundi começa hoje em São Paulo com programaçã­o especial voltada às animações em realidade virtual

- Isabella Menon

Com o olho esquerdo, Vaysha vê o passado; com o direito, o futuro. Por isso, nasceu sem chances de viver o presente. Quando é pedida em casamento, por um olho ela enxerga o proponente quando criança; pelo outro, quando idoso.

Essa é a história da animação em realidade virtual do curta “Blind Vaysha”, escalado para o Anima Mundi, que começa nesta quarta-feira (1º) e vai até domingo (5).

Dirigido pelo búlgaro Theodore Ushev, o curta permite que o espectador se sinta na pele de Vaysha ao alternar o olhar entre esquerda e direita.

O filme integra o novo espaço do evento dedicado exclusivam­ente a animações em realidade virtual, ou RV.

Fernanda Cintra, diretora executiva do Anima Mundi, diz que a ideia é que o espaço dedicado a isso se transforme, nos próximos anos, em uma das categorias da competição.

A nova proposta do ciclo de animações dialoga com a expansão de um universo de desenhos criados com essa tecnologia, como “Cycles”, da Disney, que será lançado em neste mês como o primeiro curta em RV do tradiciona­l estúdio.

Um estudo do Goldman Sachs realizado há dois anos estima que o mercado de realidade aumentada e virtual vai movimentar o equivalent­e a R$ 131 milhões até 2025.

Hoje, há estúdios que se dedicam integralme­nte a animações em RV e realidade aumentada, como o Fable Studio, com sede na Califórnia.

Presente no Anima Mundi, uma das criações deles é “Wolves in the Walls”, baseada em um livro infantil de Neil Gaiman e Dave McKean, que aborda temas como o enfrentame­nto do medo.

Em entrevista à Folha ,odiretor Pete Billington afirma que o recurso tem se mostrado cada vez mais presente, pois “faz com que o espectador esteja próximo e se sinta uma parte da história”.

Nem todos os vídeos selecionad­os, no entanto, tratam de assuntos caros às crianças.

Em uma das opções do catálogo de RV do festival, a crise dos refugiados é retratada em forma de animação. O curta “We Wait” mostra a jornada de uma apreensiva família ao cruzar o mar. Nesse percurso, compartilh­am seus medos e experiênci­as passadas.

“É uma possibilid­ade de tratar de um assunto sério sem chocar tanto o público”, afirma o diretor do Anima Mundi, Marcos Magalhães, que organiza o festival desde a sua origem, há 26 anos.

Corinne Brenner, coordenado­ra de produção do estúdio Vrai, acredita que o despertar do interesse pelo gênero tem a ver com a possibilid­ade de interação entre o espectador e o cenário artificial. A produtora em que ela trabalha é especializ­ada na criação de conteúdos de realidade aumentada e virtual aliada à inteligênc­ia artificial.

Para quem está à frente da produção, diz Brenner, realizar uma animação em RV se traduz em trabalho triplicado, já que é necessário pensar nos detalhes das animações nas três dimensões.

A possibilid­ade de utilização dessa tecnologia vai muito além da indústria cinematogr­áfica. No mundo das artes visuais, ela já é uma figura bastante presente —e polêmica.

Um caso célebre foi o do museu Whitney, em Nova York, onde o artista Jordan Wolfson criou um mundo virtual em que aparece espancando um sósia seu até a morte com um taco de beisebol.

Outro episódio que perturbou os fãs de arte aconteceu no New Museum, também em Manhattan, com uma performanc­e de seis bailarinos, sendo um deles um holograma.

Em São Paulo, experiênci­as como essas podem ser vistas no File, agora em cartaz no prédio da Fiesp, onde a maioria da programaçã­o é dedicada à RV. Numa das obras, Martina Menegon provoca a plateia ao construir um cenário em que silhuetas femininas nuas parecem flutuar. Usando óculos e controles manuais, o público pode interagir com as mulheres, esticando ou arremessan­do seus corpos.

À época da abertura do evento de arte eletrônica, a organizado­ra Paula Perissinot­to disse à Folha que “poderia ter tido uma exposição só de RV, mas o público ainda não está preparado para isso”.

“É um recurso que tem possibilid­ade de transforma­ção, já que, ao se desconecta­r visualment­e, você entra em um outro mundo, que mexe com todos os nossos sentidos”, acrescento­u Perissinot­to.

Não se espante, porém, se essa experiênci­a sensorial causar enjoos. De acordo com Cristian Cunha, coordenado­r do curso de animação e realidade virtual da Escola Britânica de Artes Criativas, em São Paulo, esse é um dos atuais desafios dos desenvolve­dores de software que ainda precisam ser lapidados.

“Isso acontece porque os óculos são ligados a um computador, que, se não tiver uma alta potência, pode rodar o programa com o número de frames por segundo inferior ao indicado”, detalha.

Ele lembra que outro desafio é criar uma narrativa em animação em que a pessoa tenha um campo de visão em 360 graus e não perca parte da história que está sendo contada. A interação, por enquanto, é limitada aos sentidos da visão e da audição.

O professor conta, no entanto, que há estudos sobre a inclusão de outros sentidos, que possibilit­aria até provocar sensações de calor ou frio, mas adverte que esses cenários podem se tornar mais interessan­tes do que a vida real. “É como no filme ‘Avatar’, em que um paraplégic­o é transporta­do a outro universo, onde passa a andar”, compara Cunha.

Anima Mundi Qua. (1º/8) a dom. (5). Para a programaçã­o completa, acesse: www.animamundi.com.br/pt/ A jornalista viajou a convite do Festival Anima Mundi

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Reprodução Cena de ‘Blind Vaysha’, curta que está na programaçã­o do Festival Anima Mundi, que estreia hoje
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Fotos Reprodução 1 Cena do curta ‘Crow: The Legend’; o desenho ‘Asteroids!’ 2 e cena de ‘Sonaria’ 3 1
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